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ATAQUE HOMOFÓBICO

Artista é cercado e agredido por 10 homens após beijar rapaz na rua (vídeo)

Jovem levou socos e capacetadas próximo a Feira Central

11 AGO 2025 • POR TERO QUEIROZ • 21h36
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Artista é atacado por gangue homofóbica no centro de Campo Grande (MS). Crédito: TeatrineTV

Um artista de 23 anos, estudante de Teatro da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), foi atacado por volta das 3h da madrugada de sábado (09.ago.25) por um grupo de cerca de 10 homens no Centro, próximo à Feira Central, em Campo Grande(MS).  

De acordo com a vítima, ele estava com outro rapaz e, após se beijarem em frente ao Armazém Cultural, foram cercados pelos agressores. “Fomos no Ponto Bar, fomos no Zé Carioca, compramos bebida, conversamos, dançamos, e aí já estava ficando tarde... Eu estava cansado, tinha aula no outro dia, então resolvi ir para casa dormir. Mas, como eu estava conversando com esse menino, ele quis me acompanhar, e eu não ia negar, porque eu também estava querendo ficar com ele”, lembrou o jovem, com a voz trêmula.

A noite estava correndo como a vítima queria. Eles pararam em frente ao Armazém, onde a motocicleta da vítima estava estacionada, e lá trocaram beijos. “Fomos nos despedir e demos um beijo... O beijo foi bom, e aí continuamos nos beijando, quando vi os caras chegando e tentei montar na moto”, relatou.

O grupo de agressores se aproximou gritando ofensas homofóbicas e desferindo socos contra a vítima e o acompanhante. “Eu vi esse pessoal descendo da rua do Zé Carioca, pelo escuro. Aí eu já montei na moto, e eles já abordaram a gente, começaram a falar: ‘Que que vocês estão fazendo aqui? Aqui não é lugar para veado, mete o pé!’. Aí começaram a falar mais alto: ‘Mete o pé, mete o pé! Não é lugar para veado aqui’”, lembrou, entre pausas para respirar.

A vítima disse que, ao mesmo tempo em que o grupo mandava que ele e o outro rapaz fossem embora, passou a agredi-los e a chutar a moto, impedindo que deixassem o local. “Aí um deles começou a dar capacetada em mim. De um lado, do outro... Começou a chutar a moto, eu achei que a moto ia cair, mas eu consegui equilibrar. No terceiro chute, já estava pensando que ia ficar pior. O cara deu um pulo, chutou, quebrou o paralama da minha moto, derrubaram minha moto, e eu falei assim: ‘Ou é a moto ou sou eu, porque eu não vou viver para contar a história.’ Aí eu saí correndo”, disse.

Um vídeo enviado à reportagem do TeatrineTV mostra ao menos 7 homens cercando e agredindo o rapaz. "E tinha mais um três fora do vídeo, é uma gangue grande", observou a vítima. Assista ao vídeo:  

“Se eu não tivesse com capacete, tinha morrido.”

Mesmo com diversos ferimentos no rosto, a vítima refletiu que o fato de estar com o capacete preso à cabeça no momento do ataque pode ter salvado sua vida. “Eu acho que só não ficou pior tudo isso porque eu estava com capacete na cabeça. Eu recebi muita pancada... Meu capacete quebrou na parte de baixo. Mas, se eu não tivesse com capacete, tenho certeza de que todas aquelas pancadas teriam ido direto no meu rosto.”

Após conseguir fugir dos agressores, o jovem procurou ajuda no Ponto Bar, local em que estava antes de ser atacado e que se diz ambiente seguro para pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. Porém, a vítima não sentiu esse apoio no referido bar. “Tentei argumentar com o segurança... Ele queria saber o que aconteceu, por que eu estava sangrando. Segundo meu amigo, eu estava em choque, mas não queriam deixar eu entrar no bar para me limpar. Meu amigo brigou com o segurança para eu lavar o rosto no banheiro. Só aí ele liberou”, contou.

No banheiro do local, a vítima teve a dimensão de que seu rosto estava bastante cortado, e alguns amigos o ajudaram a conter os sangramentos, mas, do bar, ninguém ofereceu qualquer apoio. “Meus amigos me ajudaram a limpar o sangue. Mas, assim, ninguém da equipe do bar veio conversar comigo. Ninguém perguntou: ‘Você tá bem? Quer uma água? Quer que chame uma ambulância?’”, lamentou.

“Falaram que eu tava com uma arma.”

Ao comentar com a segurança sobre o ocorrido, a vítima recebeu uma orientação seca: “Chame a polícia.” Então, após limpar o rosto e conter parte do sangramento, a vítima acionou a segurança pública. “A polícia foi lá, me escoltou até a moto. Minha moto não estava mais no chão. Alguém pegou a moto e levou lá em frente ao Zé Carioca, estacionada como se estivesse normal.”

Após o episódio, um rapaz teria comentado que os agressores suspeitaram que a vítima estava portando uma “arma”. “Um cara chegou dizendo: ‘Falaram que você estava com uma arma. Por isso bateram em você.’ Eu falei: ‘Eu não tenho arma. Sou universitário. Quer revistar? Pode ver. Eu vim aqui pra festejar.’ Comecei a ficar nervoso. Eu já estava chorando, meu nariz sangrando, minha roupa encharcada de sangue. Muita gente começou a olhar. E aí eu comecei a me culpar: por que que eu não fui embora mais cedo? Por que que eu fui praquele lugar naquela noite? Por que que eu beijei a pessoa na rua?”, recordou.

“Eu apanhei porque beijei.”

Na avaliação da vítima, o ataque teve claro cunho homofóbico, devido aos criminosos não terem gostado de ver dois homens se beijando na rua. “Eu continuei beijando o menino porque o beijo estava bom, mas aí eu me arrependi, porque apanhei, né? Agora estou com o rosto machucado, tomei ponto, estou tomando medicamento, tive que me deslocar pela cidade, pagar mais de R$ 200 em Uber só para fazer denúncia, ir à delegacia. Fora o conserto da moto, que eu nem sei quanto vai custar.”

A violência homofóbica, além das dores físicas, deixou o jovem com marcas psicológicas. “Estou feliz porque tô vivo. Ao mesmo tempo, me sinto idiota por ter ido comemorar, por ter dado um beijo que eu gostei. Aí começo a me culpar.”

“Quero conscientizar. Ali tem uma gangue.”

Jovem no posto de saúde após a agressão na área de interesse cultural de Campo Grande tomada por gangues violentas. Crédito: Arquivo pessoal 

O jovem teme que o grupo criminoso possa fazer novas vítimas na área de interesse cultural da capital sul-mato-grossense. “Eu soube que outras agressões aconteceram por esse grupo. Um menino gay foi urinar na rua, aparentemente no prédio, e eles passaram e deram uma capacetada nele. Ele caiu no chão. Eu queria conscientizar. Eu tive sorte. Mas e se fosse alguém que não tivesse reação? Ou alguém que reagisse? Podia ter morrido. É conscientizar a população LGBT de que ali tem uma gangue, um grupo que fica andando na região. Se andar sozinho, você tá sujeito a morrer.”

“Se eu tivesse morrido, talvez investigassem melhor.”

Sem qualquer esperança de que o caso tenha desfecho em relação ao trabalho policial, já na delegacia o jovem foi informado de que lesões leves (corte com pontos no rosto) não costumam virar “caso de polícia”. “Segundo a perícia, o caso não é considerado grave porque não teve hematomas sérios, não debilitou um braço, não desfigurou meu rosto. Então fiquei pensando: alguém precisa quase morrer para ter investigação? Se eu tivesse morrido, talvez eu teria virado estatística. Fico feliz de ter tido apoio da polícia na hora do fato. Ao mesmo tempo, fico pensando se o caso vai ter encaminhamento. Não tenho esperança e temo que o grupo mate alguém”, concluiu.

PONTO BAR NEGA FALTA DE APOIO 

Em nota enviada à reportagem, o Ponto Bar argumentou que, na noite do ocorrido, os seguranças apenas questionaram a vítima sobre o motivo dos sangramentos para poder auxiliá-la da melhor maneira. "O Ponto Bar lamenta profundamente o episódio de violência homofóbica ocorrido nas proximidades do nosso espaço e manifesta total solidariedade à vítima. Reafirmamos nosso compromisso inegociável com o acolhimento e a segurança da comunidade LGBTQIA+, público que sempre esteve no centro da nossa atuação."

Conforme o estabelecimento, assim que a situação foi compreendida, a segurança liberou o acesso ao bar, ao banheiro e solicitou apoio da segurança pública. "Esclarecemos que, assim que a situação foi identificada na entrada do bar, nossa equipe de segurança e gerência prestou apoio imediato ao rapaz, oferecendo acesso ao nosso espaço, banheiro e suporte necessário. Também colaboramos com a polícia, que esteve presente para registrar e dar encaminhamento ao caso."

De acordo com o bar, as câmeras do local podem mostrar o momento em que a vítima é recebida.
"Possuímos imagens do nosso circuito interno de câmeras que comprovam o atendimento prestado, e estamos à disposição das autoridades para contribuir com as investigações."

O bar destacou ainda seu histórico com a diversidade. "Nestes três anos de história, o Ponto Bar tem se consolidado como um espaço seguro e de resistência na região central de Campo Grande, atuando ativamente contra qualquer forma de preconceito. Repudiamos veementemente atos de violência como este e seguiremos firmes na luta por respeito, igualdade e acolhimento para todos."

Por fim, o bar cobrou da gestão municipal maior atuação quanto ao policiamento no local, para fins de proteção dos cidadãos e não apenas para impedir o funcionamento das atividades dos estabelecimentos. "Gostaríamos também de ressaltar que o que deve estar em questão é a identificação desses indivíduos homofóbicos, a falta de policiamento na região da Esplanada (não apenas para fins de cumprimento da Lei do Silêncio), e não a idoneidade do bar que mais levanta a bandeira LGBTQIAPN+ na capital."