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O CAPUZ NEGRO

Jorge Aluvaiá lança 'Exu Maratona', single que une rock e raízes africanas

A canção surge com o propósito de denúncia, apontando 'o descaso e desmandos do homem nas terras do Centro-Oeste'

4 NOV 2025 • POR TERO QUEIROZ • 12h42
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O cantor e compositor Jorge Aluvaiá, da banda O Capuz Negro. O grupo lançou o single 'Exu Maratona', uma faixa de rock progressivo de mais de 9 minutos que articula uma crítica à história colonial e ambiental do Centro-Oeste. - Foto: Maurício Costa Jr.

O cantor e compositor Jorge Aluvaiá e sua banda O Capuz Negro lançaram na 6ª feira (31.out.25) o single Exu Maratona.

A faixa, com 7 minutos de duração, está disponível em todas as plataformas digitais e foi anunciada como uma experiência sonora e sinestésica, trazendo profundas referências do folclore e da cultura afro-brasileira.

"A música já nasceu longa: quando a compus, tinha cerca de seis minutos. No processo de gravação e alinhamento com a proposta musical e de show, percebi que precisava de sete minutos — número simbólico de Exú e também ligado à perfeição no cristianismo. Assim, a duração se conecta à ‘maratona’ musical do Exú.

Ter sete minutos exige do ouvinte escuta atenta e consciente, diferente do consumo rápido e passageiro de músicas curtas ou ‘shorts’ de internet. A ideia é trazer de volta o espaço de contemplação, o apreço sensorial pela música, que se perde diante da produção em massa da indústria musical", anotou o cantor.

Além disso, de acordo com Aluvaiá, a "música longa permite criar uma experiência mais profunda, que respeita o tempo do público, ao invés de empobrecê-lo com consumos rápidos e limitados, típicos das demandas de mercado".

"É também uma questão de política cultural em pequena escala: oferecer tempo para ser tocado pela arte, refletir e cuidar de si. Música longa é para momentos de reflexão, recarga de energia e conexão com a própria experiência".

Esta é a capa de 'Exu Maratona', o novo single de Jorge Aluvaiá e O Capuz Negro. Uma faixa épica de mais de 9 minutos que mistura rock progressivo e percussão afro-brasileira. A música já está disponível em todas as plataformas digitaisEsta é a capa de 'Exu Maratona', o novo single de Jorge Aluvaiá e O Capuz Negro. Uma faixa épica de mais de 9 minutos que mistura rock progressivo e percussão afro-brasileira. A música já está disponível em todas as plataformas digitais. Foto: Maurício Costa Jr.

Exu Maratona apresenta uma melodia enérgica, com influências poéticas e sonoras que vão da música afro-brasileira, árabe e clássica europeia até o Rock e o Heavy Metal.

"O processo de fazer esse malabarismo sonoro com diferentes identidades e linguagens musicais do mundo inteiro se deu justamente por reconhecer uma identidade brasileira capaz de fazer tudo isso.

A gente tem uma tradição, enquanto cultura, de equilibrar muitas referências dentro da nossa própria identidade. Isso se reflete naturalmente na música. Me inspiro em músicos como Gilberto Gil, Tim Maia, Jorge Ben e Lenine, que sempre souberam ressignificar canções e linguagens de outros lugares para o cancioneiro brasileiro", revelou Aluvaiá.

A letra, composta pelo próprio Aluvaiá, elabora o que ele descreve como uma "poesia do absurdo" sobre um plano de fundo ambientalista.

 "São signos que podem ser desconhecidos para muitos ouvintes brasileiros, mas ainda assim, a obra se mantém próxima do nosso cotidiano e da nossa realidade musical", argumentou.  

A canção traz um propósito de denúncia, explorando "o descaso e desmandos do homem nas terras do Centro-Oeste". 

"A intenção é causar uma experiência auditiva mais física e emocional. As emoções se manifestam no corpo, então o público precisa ter o ouvido aberto", prospectou Aluvaiá.

A produção do single é assinada por Filipe Saldanha, músico, produtor e membro das bandas Codinome Winchester, Bêbados Habilidosos e A Insana Corte.

"Trabalhar com o Felipe na produção foi uma experiência ímpar. Eu e o Saldanha já tocávamos juntos pontualmente ao longo dos anos, mas nos aproximamos de fato no trabalho. Temos gostos e referências muito comuns, de rock, música brasileira, clássica e experimental", explicou Aluvaiá.

De acordo com ele, no estúdio, o lema deles foi: ‘loucura pouca é bobagem’.

"Experimentamos muito, sempre respeitando a ideia de produzir música de qualidade, mas também permitindo que o som toque o sensível do outro. O som tem papel fundamental, tanto quanto a letra. A poesia da letra é parte da paisagem sonora, mas a música também atua naquilo que não é explícito, tocando emoções e sensações que a leitura não alcança", disse ele.

Eles, segundo o cantor, gravaram Exu Maratona pensando na construção dessa paisagem sonora.

"O ofício do músico é organizar sons para transmitir sentimentos, contar histórias ou ajudar a compreender emoções. Para isso, estudo acústica, ecoacústica e me inspiro em pesquisadores como Murray Schafer", declarou Aluvaiá.  

Instrumentos como o udu, congas, surdos de banda marcial e experimentações em guitarra, para ele, criam um ambiente sinestésico desejado a ser transmitido para o ouvinte. 

"A percussão conduz o movimento do corpo, enquanto melodia e harmonia trabalham o emocional e o abstrato. A intencionalidade está justamente nesse lugar".

COMPONENTES ESTRUTURAIS

O repórter do TeatrineTV escutou a faixa e observou que a faixa "Exu Maratona", de Jorge Aluvaiá e O Capuz Negro, é uma composição que se afasta das estruturas convencionais da música popular. A canção utiliza uma abordagem de art rock ou rock progressivo para articular uma narrativa que conecta a história colonial do Centro-Oeste brasileiro à degradação ambiental contemporânea.

Se considerada a escuta ativa dessa música para fins de uma análise, ela poderia ser dividida em seus componentes estruturais e líricos.

A canção não segue um formato padrão de verso-refrão. Em vez disso, é construída em seções distintas que criam uma progressão dramática:

Por exemplo, a faixa começa com uma base de percussão afro-brasileira. Sobre ela, uma linha de guitarra executa melodias que evocam escalas não ocidentais (remetendo ao que o material de divulgação citou como influência "árabe"). A atmosfera é preparatória.

Então, a voz de Jorge Aluvaiá entra em um estilo declamado, não melódico, assumindo o papel de um narrador. A letra ("Quando a luvaia corre... rasgando o véu entre o ouro e o ayê") estabelece a cena. A instrumentação constrói uma espécie de tensão, com a bateria marcando uma pulsação que sugere movimento ou perseguição.

Logo em seguida, a estrutura muda abruptamente para o rock pesado. A instrumentação se torna densa, com guitarras distorcidas e bateria acentuada, características do Heavy Metal. A voz passa da declamação para um canto enérgico, entregando a tese central da letra: "Ele vê Anhanguera, toca fogo na plantação!".

Então a música entra em sua maior seção instrumental. A ênfase retorna à percussão, criando um diálogo direto entre os tambores e os riffs de guitarra distorcida. Esta fusão é o elemento central do "Afrofuturismo" sonoro da banda'.

"Pesquisei o cancioneiro tradicional tuaregue, especialmente canções fúnebres chamadas guinalha. Esse povo berbere do Saara representa uma cultura africana que influencia profundamente o Brasil. E o Norte da África também contribui muito — é só pensar na música nordestina, nos cantos semitonais e na rabeca, tão próxima dos violinos árabes", argumentou o cantor.

Aí, a estrutura do refrão retorna, reforçando a mensagem lírica, e a música se dissolve gradualmente, retornando aos sons percussivos e atmosféricos da introdução, fechando o ciclo narrativo.

"Temos uma herança de música clássica europeia, com nomes como Vila-Lobos, que souberam adaptar e antropofagizar a cultura do outro para criar a nossa própria. Nos últimos dois anos, estudei derbak, percussão e piano de forma autodidata. Esse mergulho técnico e musical foi essencial para compor meu primeiro disco, Crônica sobre o Céu e Lays", apontou o artista. 

ANÁLISE LÍRICA

O conceito da letra é o elemento que unifica a faixa. A música propõe uma tese que liga diretamente o passado colonial ao presente ecológico.

O refrão cita "Anhanguera", o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, figura histórica cuja lenda fundadora em Goiás envolve o uso de fogo (aguardente em chamas) para coagir povos indígenas a revelar ouro.

A letra posiciona Exu — orixá dos caminhos, da comunicação e do fogo nas religiões de matriz africana — como a entidade que "vê" essa ação. O título "Exu Maratona" sugere um movimento contínuo através do tempo.

"Eu uso essa ideia de criar ou ressignificar figuras do nosso folclore como um processo de permanência e não de apagamento. Não entendo Exu apenas como entidade religiosa da Umbanda ou do Candomblé, mas também como uma figura do folclore brasileiro — assim como o Exu Caveira, o Seu Tranca Rua ou o Malandro, que representam diferentes dimensões da vivência urbana e espiritual do país".

E a mesma lógica, Aluvaiá usa para a figura do bandeirante.

"O Anhanguera aparece na música como uma figura folclórica associada ao bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva. O termo “Anhanguera”, muitas vezes traduzido como “diabo velho” ou “mal antigo”, representa esse mal que permanece, que se enraíza na terra e a consome. Ao colocar lado a lado Exu e Anhanguera, uno mitos de origens distintas — africanas e ameríndias — para refletir sobre o encontro (e o confronto) entre as culturas que formam o Brasil", anotou o artista.  

Ao colocar Exu como testemunha do ato de Anhanguera, a letra traça um paralelo direto entre o "fogo na plantação" do período colonial (para obter ouro) e a destruição ambiental de hoje (mencionada em versos como "vê o verde desaparecer"). A música argumenta que é o mesmo processo de exploração predatória, apenas em tempos diferentes.

"Essa relação também denuncia o avanço predatório sobre o Cerrado, no Centro-Oeste, e como a lógica da monocultura, além de destruir o bioma, se manifesta como cultura — um soft power que padroniza modos de vida e pensamento. Quando digo na letra “A Luvaiá corre, rasgando pés, cabeças e mãos, navegando a estrela e revelando a serpente”, estou falando desse olhar que se eleva para enxergar o problema de cima — e, ao revelar a serpente, denunciar o mal que continua entre nós". 

A letra finaliza a ideia com os versos "vê o fim do carnaval e a morte do Deus do sertão". Com isso, a canção expande a denúncia para além do ecológico, sugerindo que a consequência dessa exploração histórica é também a destruição da cultura popular e da espiritualidade local.

Diante disso, a reportagem do TeatrineTV compreende que "Exu Maratona" utiliza sua longa duração e a fusão de gêneros (música de matriz africana, rock pesado, música progressiva) para construir uma crítica histórica e ambiental, centrada na figura do bandeirante como arquétipo da exploração do Cerrado.

Aluvaiá e sua banda já preparam um Especial de fim de ano para celebrar a jornada de 2025. O evento "Opera Afro Crônica Sob o Céu Lilás" está programado para o dia 13 de dezembro, no Teatral Grupo de Risco. 

"Quando compus o show Maratona, pensei em algo que também funcionasse para correr. Gosto de me exercitar, então essa música serve para quem gosta de corrida. Uma maratona de 7 minutos ou em loop, 14, 21 minutos… você pode acompanhar sua própria maratona enquanto ouve a música".