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DEZEMBRO VERMELHO

Artistas de MS desafiam o estigma e dão voz ao enfrentamento do HIV

Multiartistas partilham suas próprias histórias e reafirmam-se símbolos culturais de resistência

6 DEZ 2025 • POR REDAÇÃO* • 11h11
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Esq./Dir: Fernando Cruz [Crédito: Tero Queiroz]; André Tristão [Crédito: Reprodução].

O laço vermelho que marca dezembro é mais que um símbolo: é memória, ruptura e reinvenção. Se o enfrentamento ao HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) foi, durante décadas, associado ao medo, ao silêncio e ao estigma, hoje ele também tem rosto, voz, corpo — e, sobretudo, arte. Em Mato Grosso do Sul, dois artistas se destacam nesse movimento: Fernando Cruz e André Tristão, multiartistas que transformaram suas trajetórias pessoais em ponte de informação, acolhimento e coragem.

Suas histórias mostram que viver com HIV não é perda; é processo. Não é sentença; é cuidado contínuo. Não é sombra; é possibilidade.

Em entrevista ao jornalista João Grilo, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Fernando Cruz, figura central nas artes visuais e performáticas do Estado, revelou que carrega no próprio corpo a lembrança dos primeiros anos da epidemia — uma época em que o HIV era tratado mais como pânico social do que como questão de saúde.

Ele recordou que, antes do avanço científico, quem vivia com HIV enfrentava tratamentos experimentais, agressivos e marcados pela incerteza. “Éramos, muitas vezes, cobaias”, contou. “Mas nossa resistência construiu um dos programas de tratamento mais robustos do mundo”, avaliou.  

Hoje, Fernando é símbolo de um outro tempo: aquele em que a Terapia Antirretroviral (TARV) é acessível, organizada, potente e, muitas vezes, reduzida a um único comprimido por dia. Ele se tornou uma espécie de guardião da memória e, ao mesmo tempo, mensageiro do presente.

Em suas falas e obras, reforça que a prevenção é para todos, e que o preconceito é moral — nunca científico. Sua presença pública é, por si só, um gesto político: ele existe, cria, ocupa espaços e desnaturaliza o estigma.

Dez anos atrás, André Tristão descobriu sua sorologia em um exame de rotina. Ator, diretor e pesquisador das expressões do corpo, ele transformou a própria vivência em dramaturgia íntima e potente.

Se o diagnóstico foi uma fresta de medo, foi também o começo de uma reconstrução. “O HIV nunca foi o maior inimigo. O inimigo sempre foi o silêncio”, afirmou.

Acolhido pela mãe enfermeira, por profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e por sua própria familiaridade com o palco — lugar de exposição e verdade — André entendeu rapidamente que compartilhar sua história era também cuidar do outro.

Com um mês de tratamento, tornou-se indetectável. Desde então, vive dez anos de plena saúde, trabalho, desejo e afeto. Ele costuma dizer que não “superou” o HIV: convive, como quem aprende a cuidar de uma parte de si.

Seus depoimentos desmontam mitos, atualizam discursos e ampliam imaginários. Ao ocupar a cena pública como um homem gay, soropositivo e saudável, André transformou sua vida em ferramenta estética e pedagógica.

A pergunta que move sua arte parece simples, mas é revolucionária: e se falarmos sobre o HIV sem medo?

ARTE COMO POLÍTICA PÚBLICA

O Dezembro Vermelho é feito de campanhas, serviços e números — todos fundamentais. Mas é também feito de cultura: da coragem de artistas que contam o que muitas pessoas ainda temem dizer; da presença de corpos que recusam o apagamento; da força simbólica de quem insiste em existir.

A arte não substitui a ciência — mas traduz, amplia e dá rosto ao que a ciência comprova. Fernando e André desmontam a falsa ideia de que o HIV tem “perfil”, “tipo”, “cara”. Mostram que ele não define ninguém. Tornam-se, assim, símbolos vivos de um tempo em que prevenção e cuidado são plurais: preservativos, PrEP, PEP, DoxyPEP, testagem rápida e informação acessível.

Eles lembram que viver com HIV não é exceção — é parte das múltiplas histórias possíveis de um país que avança na saúde pública, mas ainda recua no enfrentamento ao preconceito.

CUIDADO COTIDIANO

Entrelaçando ciência e experiência, farmacêuticos, médicos, enfermeiros e agentes de saúde sustentam diariamente as condições que tornam histórias como as de Fernando e André possíveis.

A presidente do Conselho Regional de Farmácia, Daniely Proença, destacou que os farmacêuticos são essenciais para a regularidade do tratamento e o acompanhamento das PrEPs e PEPs. São eles que monitoram efeitos, acolhem dúvidas e mantêm o cuidado vivo no cotidiano.

A arte, por sua vez, amplia o alcance dessas vozes: transforma o conhecimento técnico em narrativa, em afeto, em luta, em política simbólica.

NÚMEROS

Nos últimos cinco anos, conforme o Boletim Epidemiológico 2024/2025 do Ministério da Saúde, o Brasil apresentou uma média anual de 33 mil novos casos de HIV, com mortalidade em queda de 4,1 para 3,9 óbitos por 100 mil habitantes.

Já em Mato Grosso do Sul, foram registrados 20,7 casos de Aids por 100 mil habitantes em 2024, colocando o Estado em nono lugar no ranking nacional. De acordo com o boletim, 11,2 mil pessoas estavam em tratamento pelo SUS, sendo que a mortalidade caiu 7,8% na última década.

Em relação aos novos casos de HIV em Mato Grosso do Sul, dados da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica apontam 839 em 2011, 903 em 2022, 883 em 2023, 836 em 2024 e 665 em 2025 (preliminar).

LEI EM MS

O Dezembro Vermelho integra o calendário oficial de Mato Grosso do Sul por meio da Lei Estadual 5.684/2021, de autoria do deputado Zé Teixeira, alinhada à legislação federal que institui a campanha de prevenção ao HIV e às ISTs. As ações contam com apoio de equipes especializadas, campanhas de capacitação e serviços públicos de saúde em todo o Estado.

FONTE: *ALEMS.