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Artes Cênicas

"Foi morta por pessoa próxima, achavam que ela estava protegida", diz público sobre Sônia

Espetáculo teatral esteve em cartaz no sábado e domingo na Capital de MS

Por TERO QUEIROZ • 09/02/2023 • 19:03

Estrelado pela campo-grandense Tauanne Gazoso, o espetáculo teatral Valsa Nº 6, escrito em 1951 por Nelson Rodrigues, esteve em cartaz no sábado (4.fev.23) e domingo (5.fev.23), às 20h no Espaço Fulano Di Tal, na Capital sul-mato-grossense. A reportagem do TeatrineTV acompanhou a sessão do domingo. Veja na galeria abaixo.  

A Valsa é o único texto em monólogo escrito por Nelson – celebrado autor de crônicas, contos, romances, folhetins, que em 68 anos produziu dezessete peças de teatro que o consagraram como dramaturgo.

A narrativa da peça gira em torno de Sônia, uma menina de 15 anos que, na montagem de Tauanne, está morta deitada em uma mesa envolta a um pano branco. Intimista, a proposta de Tauanne é convidar o público para um café – a maioria eram homens naquele domingo.

A atriz, em sua composição de movimento, antecipa o texto e em sua fala reproduz a agonia de quem sabe de perto como a personagem se sentia naquela noite em que ‘acordou’ e se deparou consigo morta.

Sem espaço para discussão religiosa, o cadáver de Sonia busca se lembrar como terminou morta, levando o público a uma trama investigativa.

Cidiane, de 18 anos, uma das poucas meninas que estava na plateia no domingo, falou rapidamente com a reportagem assim que terminou a sessão. Ela disse que estava impactada com a proposta estética e com o texto reproduzido. “Essa é a terceira peça de teatro que assisto; tem uma coisa sinistra nisso tudo, que tudo o que vi aqui hoje é o que as meninas passam hoje. Em todas as classes sociais. O fato dela estar com alguém de confiança da família não livrou ela de ser assediada e depois descobrimos tudo no final. A família achava que ela estava protegida em casa, mas o simples fato de ela ser mulher a fez ser morta”, analisou.

Cidiana estava na sessão de domingo (5.fev) do espetáculo Valsa Nº 6. Foto: @alyfreitas | @teatrinetv

Para a jovem, Tauanne leva à cena algo necessário. “Fazem muitos anos que você falou aí que o texto foi escrito, mas tem tudo de hoje nele. Eu achei a confusão de muitos personagens uma agonia, mas ao mesmo tempo, a atriz conseguiu me levar pela mão para essa história. Essa proximidade aqui do teatro de hoje ajudou muito nisso”, completou.

No decorrer do texto, Tauanne propõe um jogo de arena. Às vezes tão próximo do público que o intimida e ele recua, outrora o atinge com uma velocidade impressionante, que ele sequer é capaz de reagir.

A sessão acertou na estética com a iluminação de Edner Gustavo e trilha de Douglas Moreira.

Valsa Nº6 no espaço Fulano Di Tal em Campo Grande. Foto: @teroqueiroz | @teatrinetv

Apesar desses acertos notórios na montagem, econômica em cenário e em produção, o que o professor de Inglês, Luis Lunguinho, destacou foi a sensação que lhe foi transferida pelo texto de Nelson, de que a os indivíduos do sexo masculino cometem atos violentos contra o sexo feminino há 6 décadas e que pouco se caminhou no sentido de solucionar essa situação. “Eu acho que a cultura do Brasil propaga muito o machismo, nos homens em geral reproduzimos isso, mesmo que inconscientemente, às vezes. Ainda que tenha tido um progresso na Lei, que se torna um agravante, mas a gente [homem] reproduzimos o machismo. Não vejo luz no fim do túnel para nós”, considerou.

Luis Lunguinho considerou que não "vê luz no fim do túnel" sobre o machismo enrraizado na sociedade brasileira. Foto: @alyfreitas | @teatrinetv

Ele ainda considerou que esses trabalhos como o de Tauanne são urgentes, para que se leve ao conhecimento da maioria da população, principalmente os homens.  “Nunca tinha visto a Valsa Nº6 e não conhecia a Tauanne e o trabalho. Ela é uma atriz que transita nesses 3 ou mais personagens. A interpretação dela é forte, fiquei vidrado. Vale a pena vir ver ela em cena, é uma excelente atriz e o texto é necessário”.

Para Tauanne, a Valsa Nº6 é um desafio para o ator e sua escolha pelo texto se deve ao fato de ser uma opção estética. “Me possibilita crescer enquanto artista e enquanto mulher. É um texto que faz parte da minha vida desde o início da minha formação; um texto que conseguimos trabalhar em laboratório e descobrir muitas coisas. Já conhecia esse texto a um tempo, mas sinto que só agora estou preparada para o encenar".

Essa é Tauanne Gazoso em entrevista ao TeatrineTV no final de sua apresentação, no domingo, (5.fev.23). Foto: @alyfreitas | @teatrinetv

A atriz observou que apesar de Nelson não dizer no texto que Sônia é uma vítima de feminicídio, atualmente, já se sente a necessidade de colocar os termos adequados para a situação pela qual a personagem de Sonia está passando. “A Sónia é uma personagem que está num contexto de elite, né? É uma menina branca, que estudou nos melhores colégios, que fez francês, toca piano, mas mesmo dentro desta estrutura ela não consegue ser poupada; ela foi assediada e ela foi vítima. Acredito que é nesse lugar que a Sonia dialoga com essa discussão hoje muito importante para nós”, corroborando com seu público.

Ela agradeceu a perceria com o espaço Fulano Di Tal. Foto: @alyfreitas | @teatrinetv

Tauanne agradeceu o espaço cedido pelo Fulano Di Tal para a suas sessões de apresentação e classificou o local como um dos mais importantes para a cultura local. “Está sendo ótimo, o Marcelo [Leite], está sendo muito acolhedor. Eu acho que o Fulano é um dos espaços mais importantes de Campo Grande, está sempre aí movimentando a cultura local”, concluiu.

Veja a galeria de imagens (clique no link) do espetáculo Valsa Nº6 estrelado por Tauanne em Campo Grande:


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Tags: Campo Grande, CULTURA, destaque, Espaço Fulano Di Tal, espetáculo teatral, Mato Grosso do Sul, Nelson Rodrigues, Tauanne Gazoso, Valsa Nº 6

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