Gabriel Felipe Felix, formado em Cinema Integral pela Academia Livre de Cinema de São Paulo Operahaus, esteve uma década e meia estudando e trabalhando em Mato Grosso do Sul. No período, o paulista causou um prejuízo de mais de R$ 400 mil aos cofres culturais e depois desapareceu.
O nome dele começou a ser registrado em 2011 em Diários Oficiais. Na época, ele aparecia na lista de acadêmicos de licenciatura e bacharelado em Letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Outras aparições do nome dele em diário oficial eram sempre em posições de alguém especialista em análise de produtos audiovisuais. Foram necessários 7 anos para Gabriel conquistar a confiança da administração pública sul-mato-grossense.
Nos últimos 4 anos — de 2018 a 2022 — o cineasta começou a acessar as Leis de incentivo ao cinema sul-mato-grossense. Nesse período, conseguiu aprovar projetos audiovisuais que se somados, chegam a R$ 407.603,00. Após conquistar esses valores, o cineasta paulista desapareceu sem entregar parte dos produtos audiovisuais e deixando dezenas de pessoas, as quais constavam no projeto, sem pagamentos e sem explicações.
A reportagem do TeatrineTV conseguiu listar quais projetos e os valores Gabriel conseguiu acessar em sua empreitada em MS. Veja abaixo.
Procurado por meio de seu perfil do Instagram, única rede onde é visto ativo, Gabriel não respondeu se pretende devolver os valores ou se entregará os filmes.
RASTREIO
Seguindo a linha cronológica, o paulista veio para o estado em 2011, onde aparece como acadêmico da UEMS.
Depois disso, ele ressurge no diário oficial em outubro de 2017, naquela ocasião, como membro da Comissão de Seleção Pública das atrações do 14º Festival América do Sul Pantanal. Naquela posição (cargo), Gabriel julgou quais projetos audiovisuais deveriam entrar na programação daquele ano do festival que acontece anualmente em Corumbá (MS).
Em 12 de abril de 2018, o nome do paulista volta a aparecer no Diário Oficial, dessa vez, ele já está propondo a realização de um filme documental: “Uó! Gritos do Silêncio”. Apuramos que ele acabou sendo aprovado e faturou 50 mil no Edital N.º 003/2018 da FCMS de apoio à produção de obras audiovisuais inéditas, de curta-metragem, de ficção ou documentário. Esse é o edital idealizado pelo Museu da Imagem e Som de Mato Grosso do Sul (MIS).
O “Uó” era para ser um documentário sobre a ativista Paulinha Martinelly de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. “A obra mergulha no universo particular deste personagem ímpar através de suas histórias, umas engraçadas e outras dramáticas, mas únicas e fascinantes. Paulinha é uma alegoria da complexidade da existência humana, sua performance, suas estórias, sua personalidade e suas dores proporcionam a nós uma obra de arte surpreendente”, dizia a sinopse do filme que se tratava de um curta-metragem de 15 minutos.
Ainda em 2018, Gabriel aparece em diário oficial como membro da comissão de avaliação de projetos audiovisuais que deveriam compor a 19ª Edição do Festival de Inverno de Bonito daquele ano.
Em 13 de setembro de 2018 Gabriel foi um dos selecionados para produzir a Obra Audiovisual inédita, “Uó! Gritos do Silêncio”. Na época, o diretor-presidente da Fundação de Cultura era Athayde Nery de Freitas Junior. O filme deveria ter sido finalizado em entrega à FCMS até 02 de março de 2021, mas até hoje, 13 de janeiro de 2023, isso não ocorreu.
Em 13 de novembro de 2020, Gabriel aprovou a proposta audiovisual “Cancioneiro” no Edital N° 01/2019 — FIC/MS de seleção pública da FCMS. Para a realização do filme ele solicitou 158.829,00. Tratava-se de um longa-metragem. O recurso foi pago ao proponente, mas até hoje esse filme também não foi entregue.
Em 2019, Gabriel também conseguiu aprovar o projeto ‘Sarobá, Sob a Cidade e Primavera’, no Fundo Municipal de Incentivo Cultural (FMIC) da Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur), de Campo Grande (MS). Na ocasião, ele faturou mais R$ 166.775,00. Em 29 de maio de 2020 ele recebeu o recurso, mas até hoje o filme também não foi entregue à Sectur.
Gabriel também aprovou "Sarrafo Um Ensaio Sobre A Vida" no Edital n. 22/2020 – Morena, Cultura e Cidadania, também da Sectur. Na ocasião, ele recebeu R$ 31.999 para a produção audiovisual, pago em única parcela, conforme extrato publicado em 25 de janeiro de 2021 na edição n. 6.185, página 10, do Diogrande. Ele tinha 4 meses para entregar o filme, não conseguiu. Então, a Sectur prorrogou até 26/8/2021 o prazo para que Gabriel entregasse o projeto. Gabriel, porém, não cumpriu esse prazo. Então, a Sectur fez um 2º termo aditivo dando até 31/12/2021 para entrega do filme.
Em publicação de 6 de julho de 2022 a Sectur informou em diário oficial que o status de entrega de Gabriel ainda estava assinalado em “análise” — isso é, ele não havia entregue o filme.
Em 23 de setembro de 2022, também no Diogrande, a Sectur classificou Gabriel como “Não prestou contas” dos 166.775,00 — referente ao filme "Sarobá, Sob a Cidade e Primavera".
Em 22 de dezembro de 2022 a Sectur informou no Diogrande que encaminhou o caso de Gabriel à Justiça. O órgão se referia ao filme "Sarrafo, Um Ensaio Sobre A Vida". Dos 31.999 faturados para fazer "Sarrafo, Um Ensaio Sobre A Vida", o cineasta devolveu apenas R$ 100,9 aos cofres públicos. Até hoje o filme não foi entregue.
Com isso, considerando apenas o valor devido à Cultura de MS, Gabriel sequestrou R$ 407.603,00.
OUTROS VALORES
Em meio a empreitada de editais públicos, Gabriel também pegou recursos da Lei Aldbir Blanc (LAB) – Prêmio Capivara de Criação e Difusão Literária – Lei Aldir Blanc. Esse prêmio foi suplementado, então ele recebeu R$ 33.720 pelo produto literário, que nesse caso foi entregue, pois se tratava de um prêmio: entregava-se o produto e só depois recebia o recurso, na época viabilizado pela Lei Aldir Blanc.
Também na Lei Aldir Blanc, Gabriel faturou mais R$ 33.720 pelo projeto audiovisual ‘Asas Pra Voar’, recurso que dividiu com as artistas Tatiane Lima Furuse e Thaisa Rodrigues, conforme publicação no DOEMS.
Gabriel também se beneficiou do Edital Emergencial de Seleção Pública n.º 24/2020 “Prêmio Sul-Mato-Grossense de Audiovisual Abboud Lahdo - Lei Aldir Blanc" — com o projeto Sarrafo, o qual deveria ter finalizado. Nisso, Gabriel pegou mais de R$10 mil dos cofres públicos da cultura.
Ele também aparece na relação de Beneficiários do Apoio Financeiro Emergencial do Programa MS Cultura Cidadã com inscrições declaradas aptas - Lote 03, mecanismo que forneceu R$ 1.800 divididos em três parcelas mensais de R$ 600 aos artistas de MS durante do período de pandemia da Covid-19. Nesse caso, ele não precisava entregar um produto, apenas comprovar atuação artística em MS.
QUEM É GABRIEL FELIX?
Em perfis de sites como "prosas.com.br", Gabriel diz ser diretor e produtor de conteúdo audiovisual.
Ele também se autointitula “cronista e poeta amador”. Diz ter sido “metalúrgico e ajudante de construção civil, office boy, dono de boteco, professor eventual, bilheteiro de circo, fotografia de casamento, batizado e formatura, autor de blog, inspetor de escola, membro do partido comunista, candidato a vereador, vendedor ambulante no trem, presidente de grêmio estudantil e líder da revolução, promotor de eventos, redator publicitário, e vendedor de loja de roupa”.
Ele completa dizendo que “atualmente trabalha e busca financiamento para a pós-produção do seu primeiro trabalho como diretor, o longa “Sarrafo: Um ensaio sobre a vida” sobre o músico e compositor centenário Amintas José da Costa, o maestro Sarrafo de 100 anos” – um dos projetos para o qual captou recurso em MS, mas não entregou o filme.
Numa outra plataforma, Gabriel acrescenta ao seu currículo trabalhos na publicidade. “[...] Trabalhou como redator e assessor de comunicação em campanhas para clientes como prefeitura municipal de Rio Grande da Serra e Revista Portal da Saúde, além de diversas campanhas eleitorais. Tem expertise em revisão ortográfica, elaboração de diagnóstico de pesquisa; redação publicitária; roteiro para peças audiovisuais publicitárias; storytelling; elaboração de projetos culturais”, aponta no site.
EXPLICAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS
Gabriel está viajando ao exterior. Frequentemente ele posta stories no Instagram de passeios como por exemplo em San Telmo, Buenos Aires, na Argentina, local onde disse estar em 16 de janeiro. Numa das postagens ele diz: "A boêmia resiste bravamente". Procuramos o cineasta por meio dessa rede social, único contato possível. Após ler uma mensagem em que o repórter o questionva sobre a devolução dos valores ou se ele faria a entrega dos filmes, Gabriel bloqueou o contato, não dando uma resposta.
Por meio do Diário Oficial, a Sectur confirma que nenhum dos filmes, para os quais Gabriel recebeu recurso, foram entregues. Há outros indivíduos em situação semelhante a dele, apesar disso, Gabriel é quase unânime ao não dar nenhum tipo de explicação sobre os recursos.
Junto ao governo do Estado, a situação de Gabriel na FCMS é: "Tomada de contas especial" — Neste caso, significa que ele não prestou contas dos recursos os quais teve acesso — portanto, também não entregou os filmes.
A secretaria de Cultura e Turismo da Capital já acionou Gabriel judicialmente para que ele dê em juízo explicação sobre os recursos públicos os quais captou. A FCMS também deve adotar a medida judicial para que o cineasta dê uma resposta sobre a verba pública da Cultura.
Não existem disponíveis qualquer imagem que comprove que o cineasta teria começado a captar os filmes no estado, mas fontes afirmam ao TeatrineTV que Gabriel até teria iniciado as captações de algum dos filmes, mas não concluiu.
O filme "Sarobá, Sob a Cidade e Primavera" iria contar a trajetória de um grupo de teatro de rua campo-grandense. O diretor do grupo, não quis comentar o caso, apenas deixando clara sua decepção com Gabriel por ele não ter concluído o filme.