
As filmagens do curta-metragem Mapago começaram no domingo (3.ago.25) em Campo Grande (MS), com a proposta de dar visibilidade à experiência indígena urbana por meio de uma linguagem que une realismo poético e documentário encenado.
Com direção de Marcus Teles e roteiro assinado por ele e pela também atriz Gleycielli Nonato Guató, o filme traz como protagonistas Gleycielli e a artista MC Serena, que interpretam versões de si mesmas em uma narrativa que mescla memória, resistência e pertencimento. “Interpretar essa mulher que sente falta de sua terra é interpretar muitas de nós que estão aqui de uma maneira obrigada, que foram expulsas, que foram estudar, trabalhar”, diz Gleycielli. “Mas ser indígena é carregar o território no corpo, na veia. Nós seremos o que quisermos ser em qualquer lugar.”

O nome do filme — Mapago, que significa “onça” na língua Guató — remete à força ancestral que atravessa o enredo. Para a atriz, roteirista e produtora executiva, o curta é um gesto de afirmação: “O nosso sangue é Guató. Nossa alma é Guató. Mesmo que estejamos afastados do Pantanal, somos o Pantanal.”
A história, com duração prevista de 16 minutos, coloca no centro as mulheres Guató, um povo originário do Pantanal frequentemente invisibilizado e declarado extinto por estruturas coloniais. “Nosso povo foi declarado extinto. Mas existimos. Existimos em todas as partes”, afirma MC Serena, que também assina sua atuação a partir de vivências pessoais. “Fui convidada pela Gleycielli justamente por enxergar nela o que vejo em mim: uma identidade étnica periférica, forte e resiliente. O filme é importante porque nosso povo sofreu e ainda sofre apagamentos profundos. Mostrar isso com beleza e força é necessário.”
IDENTIDADE URBANA E ANCESTRALIDADE
Segundo Serena, criada na periferia de Campo Grande, a arte do filme ecoa a realidade de comunidades racializadas e originárias nos centros urbanos: “A maioria das pessoas da comunidade são pretas e originárias. A favela é o quilombo e a aldeia dos tempos de agora. E eu uso a poesia, o rap, o funk e a moda como forma de enaltecer isso. De dizer que estamos vivos.”
O diretor Marcus Teles, que há mais de 14 anos atua junto a movimentos e organizações indígenas, aponta que Mapago busca representar a ancestralidade não apenas como tema, mas como linguagem estética. “Ela está no tempo da oralidade, no silêncio entre as palavras, nos gestos. O funk e o hip hop não aparecem como contraponto, mas como continuidade da força criativa dos corpos periféricos e originários”, explica.
Teles descreve uma abordagem que valoriza a escuta, a improvisação e a experiência vivida. “Gleycielli e Serena não interpretam papéis. Elas vivem. E é por isso que minha direção está sendo baseada na confiança. Muitas cenas surgem no momento. O roteiro é estrutura, mas a verdade vem delas.”
CINEMA COMO TERRITÓRIO E HOMENAGEM
O filme também presta homenagem a Dona Neguinha, última cantora conhecida da língua Guató, reforçando o compromisso da obra com a preservação da memória oral. “Quero que esse filme fale com os indígenas e também com os não indígenas”, afirma Gleycielli. “Quero que entendam que o afastamento do território adoece, mas também fortalece. E que mesmo em dor, há força. Muita força. Que essa seja a marca de Mapago.”
Para Teles, Mapago se insere em uma tradição do realismo fantástico latino-americano, mas com um olhar contemporâneo e visceral. “É um cinema que olha para dentro da terra, mas também para o céu. As mulheres Guató são as protagonistas, são as portadoras do canto e da luta.”
A PRODUÇÃO
As filmagens seguem ao longo do mês de agosto, com estreia prevista para 2026. O projeto é realizado com R$ 100 mil obtidos por meio de edital para audiovisual do Programa Nacional Aldir Blanc (PNAB), do Ministério da Cultura (MinC), gerenciado localmente pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS). A íntegra.
Ficha técnica
- Diretor e roteirista: Marcus Teles
- Atriz, roteirista e produtora executiva: Gleycielli Nonato Guató
- Atriz: Serena MC
- Produtores: Jefley M. Cano e Daniel Felipe
- Atores: Fernando Cruz, Suzie Guarani, Lua Mendes, Persefone, Thay Gomes
- Som direto: 4real.wav
- Direção de fotografia: Fabricio Borges
- Câmera: Tatiana Varela
- Assistência e produção: Rafael Viriato, Lucas Moura, Sophia Goulart, Fernanda Galindo
- Assessoria de imprensa: Lucas Arruda e Aline Lira