Marcos Pollon está no pivô de repasses à empresas para realização de filmes evangélicos, junto outros indivíduos da extrema direita. Fotos: Reprodução | Agência Brasil | Agência Câmara

Apesar de criticar com frequência o fomento cultural como a Lei de Incentivo a Cultura (Lei Rouanet), o deputado federal Marcos Pollon (PL-MS) destinou R$ 1 milhão em recursos públicos para uma produção audiovisual sem qualquer processo seletivo. À revelia, sem edital, para a empresa Academia Nacional de Cultura (ANC). 

A transferência foi feita por meio de emenda Pix, mecanismo que permite a deputados enviarem dinheiro diretamente a estados e municípios, sem exigência de convênio, projeto aprovado ou análise técnica.

O valor total é de R$ 2,6 milhões, recurso todo destinado por parlamentares do PL para a ´serie intitulada Heróis Nacionais – Filhos do Brasil que não se rendem. A foragida da justiça brasileira, deputada federal Carla Zambelli também enviou R$ 1 milhão, enquanto Alexandre Ramagem (RJ) enviou R$ 500 mil e Bia Kicis (DF), R$ 100 mil, todos extremistas de direita e bolsonaristas anti-rounet.  

A ANC é uma associação privada de viés conservador comandada por pessoas extremistas evangélicas, que em grande maioria possuem outras empresas do ramo evangélico e garras na administração municipal paulista (entenda abaixo).

Empresa ligada ao ex-secretário especial de Cultura, Mario Frias, abocanha bolada milionária. Foto: Instagram 

POLLON ENGANA, MAS DEPOIS CONFESSA

Em um vídeo publicado em sua conta no Instagram, o deputado federal Marcos Pollon, que nunca destinou emendas à cultura sul-mato-grossense, confunde os usuários ao iniciar a gravação com uma negação enfática. Nos primeiros segundos, ele afirma que é falsa a informação de que teria enviado recursos para uma empresa conservadora de São Paulo. “Fake News. Alerta, bombástico. Estou sendo denunciado por um blog de Mato Grosso do Sul, que eu teria mandado um milhão de emenda Pix para São Paulo”, diz ele no início do vídeo.

No entanto, logo em seguida, o próprio deputado admite o envio dos recursos.

Pollon, eleito com a estratégia da extrema direita de tirar proveito da desinformação, parece se valer de um hábito comum entre usuários de redes sociais: assistir apenas aos primeiros segundos dos vídeos.

Assim, ele começa negando a informação, mas logo em seguida confessa que, de fato, destinou R$ 1 milhão à empresa paulista — sem edital e via Pix.

O deputado mente ao afirmar que se trata de uma “notícia requentada”, termo pejorativo usado para deslegitimar matérias jornalísticas. No entanto, a matéria em questão não havia sido publicada anteriormente e passou a circular apenas nesta semana.

O deputado também tenta enganar ao sugerir que a série conta com recursos de Eduardo Bolsonaro e Mario Frias — esse é um outro caso (leia abaixo).

Ao final do vídeo, mesmo depois de apresentar sua versão dos fatos e admitir o envio dos recursos, o deputado volta a afirmar que a notícia é falsa — contradizendo a própria confissão feita minutos antes. Veja:

DINHEIRO PÚBLICO AOS AMIGOS

Deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Mário Frias (PL-SP) e Marcos Pollon (PL-MS), que destinaram verba para a produção do documentário 'Genocidas' - (Foto: Divulgação)

O que ocorreu no início desse ano, na verdade, foi a descoberta de Marcos Pollon, no mesmo modus operandi, sem edital, destinou R$ 100 mil para a Organização da Sociedade Civil (OSC) Associação Beneficente Ebenézer Pratense - Passos da Liberdade, com CNPJ de 2008, presidida por Rodrigo Cassol Lima, que foi o "número 2" da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Cultural, comandada pelo ex-ator Mário Frias. O recurso foi para Cassol realizar a produção do filme intitulado “Genocidas”.

No caso desse filme sim, o orçamento conta com verbas dos deputados Mário Frias (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que somadas dão mais de R$ 860.896,27. E se trata de um projeto diferente da série.

Segundo apurado pelo TeatrineTV, o Termo de Fomento foi assinado em 27 de dezembro de 2024 e tem prazo final de 27 de agosto de 2026, para que Cassol entregue o trabalho. A íntegra do termo de fomento. 

SEM CNAE AUDIOVISUAL

Pollon, que costuma chamar a Lei Rouanet de “mamata” e defende a extinção de incentivos culturais tradicionais, agora financia uma produção bancada com verba pública sem disputa ou transparência. 

Os valores foram encaminhados ao governo do Estado de São Paulo, que repassará à entidade responsável pela produção, a ANC.

Criada em 2020, a ANC não possui registro de atividade cinematográfica em seu CNAE. Entre as atividades listadas estão artes cênicas, gestão de espaços culturais, restauração de obras de arte e organização de arquivos, mas nenhuma delas contempla produção audiovisual ou cinematográfica, o que levanta questionamentos sobre a legalidade e a transparência da destinação dos recursos. A íntegra do cartão CNPJ.  

Seu endereço fiscal registrado é uma sala de coworking na Avenida Paulista — cujo administrador afirma que a entidade jamais funcionou ali.

A ANC também diz ter sede operacional em outro imóvel, na Rua Haddock Lobo, também na capital paulista. 

INTEGRANTES DA ANC

Essa é Karina, que figura como presidente da empresa. Foto: Instagram 

Karina Ferreira da Gama, que performa como a presidente da ANC, está no quadro de membros da Comissão Permanente de Finanças e Orçamento (CPFO) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (CMDCA) da prefeitura de São Paulo desde 2019. A íntegra. 

Há 11 dias, Karina cedeu uma entrevista a uma canal de YouTube em que diz que "a fé não precisa de recursos", apesar de estar abocanhando milhões.

Ela se diz especialista projetos culturais com mais de 20 anos de carreira e cita certa experiência no Audivisual, apesar de não termos localizado qualquer trabalho dela no setor. Ela atua como membro ativo na prefeituar de paulista. 

Karina ostenta um currículo longo, mas pouco crível. Ela afirma em um dos seus posts ser 'Presidente do BRICS Chamber', mas a reportagem do TeatrineTV apurou que não existe uma "BRICS Chamber" com um presidente específico. Karina também disse que esteve no cargo de vice-presidente do Câmara Interamericana de Cultura e Comércio do Mercosul, mas não há qualquer registro efetivo de que esta entidade exista e que Karina tenha ocupado cargo na mesma. Eis o post em que Karina afirma estado em tais cargos acima citados:

Em 2023, uma publicação da prefeitura de São Paulo reafirmava que Karina é integrante da CPFO, além de integrar um 'GT Cristão', ao lado dos seguintes membros da ANC: 

• Vice-Presidente da ANC – Marcelo Machado;
• Departamento Jurídico e Direitos Autorais (ANC) – Wemerson Marinho dos Santos;
• Presidente do GT Cristão - Levi da Hora de Oliveira;
• Diretora de Comunicação da ANC – Monica Cintra;
• Diretora de Dança da ANC – Denise Canovas;
• Diretor da Música da ANC – Vagner Jimenes;
• Produtor e Diretor de Teatro e TV – Tom Arruda.

Na época, segundo a publicação, eles se reuniram em 23 de fevereiro de 2023 com a Secretária de Cultura Aline Torres e o próprio prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A íntegra. 

Marcelo Machado é vice-presidente de empresa beneficiada com pix milionário de deputados de extrema direita. Foto: Reprodução

O vice-presidente da ANC, mais conhecido como Marcelinho Machado, diz em seu perfil no Linkedin, que é Coordenador da Equipe de Divulgação na Sony Music Entertainment. Apesar da ANC ser de 2020, ele diz que é vice presidente na empresa desde 2019. Ele também diz ser CEO da Agência Gospel de Marketing Musical (MM7). A íntegra. 

Outro integrante da equipe da ANC é Wemerson Marinho dos Santos, que ocupa o cargo de chefe do Departamento Jurídico e de Direitos Autorais. Wemerson foi secretário parlamentar do deputado e ex-ministro do Esporte George Hilton até 2017. Hilton, que também é pastor evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, foi flagrado em 2005 com R$ 600 mil em espécie em um aeroporto. Ele exerceu o mandato de deputado federal de 2007 a 2019.

Wemerson mantém a conta do Instagram privada, e nas demais redes sociais ou está inativo, ou não realiza mais publicações. Foto: Reprodução

Extremista bolsonarista, no X (antigo Twitter), Wemerson compartilhava posts até 2021, em grande maioria publicação pró-Bolsonaro e reposte do ex-presidente inelegível e seus filhos:

Atuando como diretora da ANC está Mônica Regina Cintra. Ela se diz CEO da Revista Show Gospel. Em seu Instagram ela aparece performando com influencier no evento de lançamento de uma das temporadas da série gospel americana The Chosen, baseada na Vida de Jesus  criada, dirigida e co-escrita por Dallas Jenkins.  No geral, não há qualquer conexão de Mônica com os trabalhadores do audiovisual brasileiro ou produções como séries que ela por ventura tenha atuado como liderança na comunicação.   

Essa é a Diretora de Comunicação da ANC, Mônica Cintra. Foto: Ananda Souza Fotografia

Mônica tem incomum com os colegas da ANC o fato de ser extremista de direita bolsonarista e evangélica, como fez questão destacar em sus redes sociais. Veja: 

Integrante da ANC, que atua no cargo de 'professora de dança', é a bailarina e Secretária de Cultura de São Bernardo dos Campos (SP), Denise Canovas. Além dos das qualificações para a dança, Denise também destaca que é pastora evangélica. Ela é casada com Vagner Jimenes, ex-candidato a vereador não eleito em São Bernardo do Campo na corrida eleitoral de 2024, que por sua vez, é Diretor da Música da ANC.

'1º Encontro de Casais - Igreja ElShaday', disse Denise numa publicação na rede social.  

Então, chegamos ao último membro da equipe citada da ANC que vai abocanhar os R$ 2,6 milhões para  realização de uma série conservadora, Trata-se, do Produtor e Diretor de Teatro e TV, Tom Arruda. Questionamos ao aclamando produtor de TV homenageado com o Prêmio África Brasil 2024 se de fato ele pertence a equipe conservador ou trata-se de um homônimo. Aguardamos posicionamento.

O QUE A ANC QUER PRODUZIR?

O primeiro episódio da série exaltará a invasão criminosa do Brasil e colonização portuguesa com o título 'Portugal: Luz para o Brasil'.

Outros episódios abordarão o padre José de Anchieta, conhecido por catequizar indígenas, e Dom Pedro I.

Na prática, os parlamentares usaram dinheiro da União para financiar diretamente uma narrativa ideológica, sem filtros técnicos ou critérios públicos. 

O uso de emendas Pix para contornar regras de fomento cultural oficial tem se tornado comum entre deputados que atacam os mecanismos tradicionais de incentivo.

Na contramão da transparência exigida pela Rouanet, a série documental será bancada com recursos públicos em um modelo sem controle ou prestação de contas rigorosa.

O governo federal não participa da curadoria, análise ou aprovação do conteúdo, apesar do dinheiro sair dos cofres da União.

A ANC, apesar de ser uma Organização da Sociedade Civil, não possui qualquer área de transparência no seu site (a íntegra),  o que viola a lei das entidades do terceiro setor.