Aos 57 anos, o ator mato-grossense Romeu Benedicto vive um dos momentos mais importantes de sua trajetória profissional. Seu papel em Guerreiros do Sol, superprodução da TV Globo no streaming, o projeta nacionalmente após 40 anos de trabalhos no audiovisual.
Em entrevista ao TeatrineTV, por telefone, no dia seguinte ao seu aniversário — em 5 de julho de 2025 — e durante pouco mais de 40 minutos, Romeu falou com sinceridade e emoção sobre os caminhos trilhados até aqui. Da juventude vivida no teatro que só pode fazer de maneira clandestino à consagração como o personagem Tonhão. Sempre fiel às suas raízes, à família e aos próprios sonhos.
Reconhecido nacionalmente desde 2022, quando interpretou Anacleto no primeiro episódio do remake da novela Pantanal, o ator cuiabano começou a conversa compartilhando um pouco da sua vida pessoal.
— Sou o pai da Fernanda, do Heitor, marido da Mônica... e sou um sonhador [...] — introduziu.
Logo depois, falou sobre sua formação e os desafios para viver da arte:
— Meus primeiros contatos com a arte foram no ensino médio. Enfrentei bastante dificuldade, porque vim de uma família bem tradicional. Meu pai era militar e dizia: “Isso [ser ator] não enche a barriga de ninguém, filho. Para com isso!” Então o teatro era visto como algo indesejado, uma coisa que não prestava. Mas eu fui fazendo na clandestinidade. Hoje, como pai de família, eu assumi isso. Demorou. Fiz terapia para aceitar. E, graças a Deus, estou seguindo firme e forte nessa carreira — contou.
Romeu é filho de Leonel de Freitas Lucialdo, o seu Nilson, e de Velutina Oliveira Lucialdo, a dona Vilu. Sua origem cruza com a história das migrações rumo ao interior do Brasil.

— Meu pai é filho da minha avó Cecília, descendente de indígena e negro, e do meu avô Romeu — de quem herdei o nome. Ele era uruguaio, veio para construir pontes e acabou parando no Coxipó do Ouro, onde conheceu minha avó e ficou. Já minha mãe é totalmente descendente de negro e indígena aqui de Cuiabá, da beira da Prainha, no bairro Baú. Então, na minha descendência, tem essas misturas — contou.
Caçula de seis irmãos, ele lista os nomes com orgulho:
— O mais velho é o Roberto, que é cantor e rei do rasqueado aqui em Mato Grosso. Depois vêm Reinaldo, Reinildes, Rosângela, Relinda e eu — todos com R.
A família toda nasceu e foi criada no Coxipó do Ouro, onde também nasceu seu pai — que, antes de se tornar militar, trabalhou na agricultura e acabou envolvido nos conflitos da Segunda Guerra Mundial.
— Ele foi para a Segunda Guerra, saiu do Arraial dos Freitas, um roceiro simples, peãozão mesmo, e foi matar gente lá na Itália. Nunca matou ninguém, mas teve que matar para sobreviver. Essas são as atrocidades que a guerra faz na alma humana, e meu pai teve que passar por isso — lamentou.
Segundo o ator, apesar da dureza da infância, o carinho e o caráter dos pais foram seu alicerce.
— Meu pai dizia: “Filho, comida nunca vai faltar, mas hoje eu não posso dar. Vocês têm que trabalhar, estudar para ser alguém, casar, ter filhos, seguir a família e ser honesto.” O exemplo de retidão e honestidade veio dele. Já a alegria, o lado mais festivo, veio da minha mãe. Essas duas pessoas simples me compõem.
Romeu foi criado entre o centro de Cuiabá e o Coxipó do Ouro — separados hoje por cerca de 30 minutos de estrada.
— Foram dois locais onde eu fui criado. Ia para o Coxipó do Ouro ajudar meu pai na roça, fazer cerca de arame farpado, pegar gado que fugia no mato. Banho de rio, manga, futebol, tirar leite no curral. E ver papai matar uma vaca — cara, isso aí eu tenho na memória até hoje. Aquela vaca sangrando, o olho vidrado, a vida esvaindo... Minha experiência foi isso, cara. Eu vivi assim.
Romeu acredita que seu encontro com a arte se deu na escola, mas que desde cedo já enxergava o mundo de maneira diferente.
— Eu era muito fechado, muito tímido. Mas, por dentro, eu tinha um mundo na cabeça. E, quando estava trabalhando com meu pai, pedia para ele contar as histórias da guerra. Essas histórias e vivências — as festas de Santo, os personagens que passavam dançando Siriri e Cururu, levantando mastros... tudo isso compôs essa minha visão artística, que aflorou mais tarde.
Em outro caminho, a veia artística já manifestava no irmão mais velho.
— Meu irmão Roberto, desde pequeno, já fazia violão de lápis e instrumentos de lata. A gente teve um tio chamado Tarquino, irmão do meu pai, que era músico e tocava violino. Meu avô trouxe coisas da Europa: talheres de prata, louça de porcelana, vitrola, discos de Gardel... discos de tango. Isso tudo foi dando essa vivência.
Apesar de não ter seguido o desejo do pai de abandonar o teatro, profissão que iniciou aos 17 anos, em 1985, Romeu cumpriu parte do que aprendeu: formou uma família ao lado de Mônica, sua esposa desde 1989. Em tom emocionado e bem-humorado, ele relembrou o primeiro encontro com ela:
— Rapaz, a gente se conheceu... Ela tinha 15 anos, eu tinha 21. Foi amor mesmo. E a gente está junto até hoje. Passamos muita coisa juntos. Ela sempre acompanhou esse sonho meu. Sempre teve medo de que, se um dia eu tivesse alguma fama, ia me perder. E conviveu com todas as frustrações, conquistas e vitórias. É minha companheira, minha parceira, meu amor. Eu soube que estava apaixonado desde a primeira vez que a vi. Ela estava subindo no ônibus. Lembro até hoje: saia branca, canelada, justa; blusa amarela, com manga de tufão; o cabelo... igualzinho ao de um poodle. Eu falo: “Você tava igual a um poodle” (risos). Foi amor à primeira vista.
Desse amor, nasceram Fernanda, hoje com 21 anos, e Heitor, que completou 20 anos no dia seguinte à entrevista.
O ator afirmou convicto que foi justamente o amor pelos filhos que o impediu de desistir da carreira.
— Uma vez, falei pra minha esposa... Eu pensei em desistir da carreira, pela dificuldade, pela frustração. Mas aí parei e pensei: “Se eu fizer isso, vou estar ensinando meus filhos a desistirem dos próprios sonhos.” Então, eu não podia fazer isso. Continuei. E hoje vejo que meus filhos se espelham em mim. Eles acreditam nos próprios sonhos, estão correndo atrás com força — e me têm como referência. Isso é maravilhoso — comentou, emocionado.
VIRADA DE CHAVE

Para chegar ao personagem Tonhão, que detém uma grande trajetória na trama de Guerreiros do Sol, Romeu disse que tomou uma iniciativa ousada há muitos anos.
— Meu primeiro trabalho na televisão veio depois de muito tempo fazendo teatro. Sempre tive o sonho de bater na porta da Globo — literalmente. Quando eu voltei de uma temporada na Europa, decidi parar no Rio e falei pra mim mesmo: “Agora vai.” Fui até o Jardim Botânico, bati na porta da Globo com a cara e a coragem. Consegui me cadastrar com um texto do Carlão, do Pecado Capital. Quem me cadastrou foi a Márcia Andrade, nunca vou esquecer. Só que foi foda: fiquei uma semana por lá, sem grana, sem onde dormir, sem o que comer direito. Dormia em hostel, dividia um pastel entre almoço e janta — rememorou.
No entanto, logo depois veio sua primeira chamada para um personagem em Carga Pesada.
— Fiquei todo animado, me chamaram pra fazer um médico. Engraçado que meu perfil estava lá como “indiano”, acredita? E aí fui com toda esperança. Só que você vai, grava uma cena, termina e volta pra casa. Acabou. E começa tudo de novo: esperar a próxima ligação. Mas a experiência foi incrível, porque contracenei com o Stênio Garcia e o Antônio Fagundes, dois monstros. Eu estava nervoso, mas eles foram generosos, me acolheram de verdade.
Depois daí, o artista mato-grossense fez várias participações pequenas, algumas com um pouco mais de destaque.
— Mas em todas tinha aquela esperança: “Agora vão me ver, agora me chamam de novo.” Só que não vinha. Era frustrante. Aí comecei a entender que cada um tem sua trajetória, seu tempo, sua estrela. O que vem para um, não vem necessariamente para o outro. E tá tudo certo. O importante é seguir firme.
Apesar de não conquistar os personagens de destaque que queria, Romeu disse que todo ano conseguia uma ponta em projetos da grande emissora brasileira.
— Nunca fiquei sem. Depois de Carga Pesada, fiz Da Cor do Pecado, Malhação, depois voltei para Malhação, teve Belíssima, Duas Caras, Começar de Novo, depois Deus Salve o Rei, Cordel Encantado, que até foi um período maior — achei que ali ia desenrolar mais coisa, mas também não foi. Depois veio Pantanal — (pausa; ele respira e se emociona).
Na avaliação do ator, a novela filmada em Mato Grosso do Sul foi uma virada de chave na sua vida e postura como artista.
— Pantanal foi muito especial. Foi a primeira vez que eu cheguei numa produtora de elenco e pedi: “Me dá uma chance nesse personagem.” E aí rolou o Anacleto.
Apesar da felicidade, mais uma vez o personagem dele não estaria ao longo de toda a trama.
— Só que, olha que loucura, se eu soubesse tocar viola, eu teria feito um outro personagem, maior, que ia durar a novela inteira. Mas eu não sabia. Pô, se tivesse aprendido com meu irmão, talvez tivesse dado certo (risos). Mas enfim, a vida é assim, a gente vai aprendendo. Essa espera toda foi um exercício de fé, de paciência e de amor pelo que eu faço. Nunca parei. E hoje, olhando para trás, vejo que cada passo foi necessário pra eu chegar até aqui.
TONHÃO EM 'GUERREIROS DO SOL'

Apesar de não ter ficado por muito tempo no elenco de Pantanal, Romeu disse que fez amizades verdadeiras com membros da equipe técnica. Ao conversar com uma das amigas, descobriu que o mesmo diretor de Pantanal, Rogério Gomes — mais conhecido como Papinha — estaria rodando uma série com grande elenco.
— Aí eu tinha o número dele [do Papinha] e mandei um áudio agradecendo por tudo, pelas cenas em Pantanal, e já pedi para ele me chamar se tivesse outras camadas pra segunda fase da novela, se pudesse entrar. Falei: “Que o reencontro seja possível.” Acho que essa frase pegou, porque ele logo me respondeu com um áudio. Eu até me surpreendi! Ele disse: “Ô meu amigo, beleza! Foi bom sim, parabéns pela participação. Se tiver algo com outras camadas, com certeza vou te chamar, seu nome já está aqui.” Falei: “Pô, que massa, cara!” Agradeci muito e pronto, ficou assim — detalhou.
Aí, passados alguns meses, Romeu ficou sabendo que numa reunião entre a equipe de Guerreiros do Sol o seu nome foi mencionado como opção para um dos personagens.
— Eu pensei: “Meu Deus do céu!” Perguntei quem tinha falado, e a minha amiga disse: “A produtora.” Perguntei o nome dela: “Márcia Andrade.” Eu falei: “Ah, Márcia Andrade, foi ela que me cadastrou na Globo.” Então mandei um áudio pra Márcia. Ela respondeu: “Romeu, seu nome está no radar.” Eu falei: “Cara, que massa! É o universo conspirando, cruzando as energias pra isso acontecer.” Tem que jogar pro universo, né? E aí, rolou, de verdade — disse entusiasmado.
Acostumado a se organizar para participações pequenas, pouco depois Romeu questionou a equipe quantos dias ele ficaria.
— Achei que era uma semana, três dias... Mas aí ela [produtora] virou pra mim e falou: “Não, Romeu, você vai ficar sete meses.” Eu disse: “Como? O quê?!” Ela respondeu: “Sete meses!” Eu fiquei: “Caramba, sério? Vai ter que ligar da administração para assinar contrato?” Falei: “Contrato? Nossa, me arrepiei inteiro!” Eu fiquei sem saber o que fazer, nunca tinha negociado nada assim. Caiu no meu colo, rolou, e o resultado tá aí na tela. Foi maravilhoso, cara. A experiência e a relação que criamos com atores que a gente admira foi incrível — declarou sem ponderar a emoção.
SEU NILSON E DONA VILU
Para o ator, um dos seus maiores desejos na vida era que seus pais pudessem estar vivendo esse momento com ele.
— Perdi minha mãe há uns dois anos, e meu pai faz bastante tempo. Mas, antes de partir, meu pai teve a chance de me ver no palco, numa peça do Tabuleiro, com o teatro lotado. Até me emociono de lembrar disso, porque ele também se emocionou muito ao ver a plateia ovacionando. Naquele momento, ele estava na plateia, usando uma bengala, mas fez questão de se levantar para receber os aplausos. Ele olhou para mim, chorou, me abraçou e disse: “Filho, você é muito bom.” Cara, isso foi inesquecível (pausa, com a voz embargada).
Como mencionamos, Romeu sempre quis fazer a alegria de seus pais. Ele, inclusive, tem uma formação distinta da área artística e lembra aos prantos do momento.
— Sim. Formei em Direito. Meu paizinho queria muito que eu me formasse. Então, entreguei meu diploma para ele e uma especialização, e ele ficou muito orgulhoso ao receber o documento nas mãos. Acho que consegui cumprir o que ele sempre quis.
Questionado sobre a sensação de ver os pais reconhecendo que seu sonho era possível, Romeu desabou em emoção.
— Meu pai acho que não viu tudo o que eu consegui até hoje, mas minha mãe viu. Ela me ligou chorando de emoção. É uma sensação foda. Eu queria que eles pudessem ver tudo o que eu conquistei agora, sabe? Porque o que a gente constrói na tela, em momentos como esse, é resultado de uma vida inteira de batalha. E, mesmo que seja só um momento, ele carrega todo esse peso. Eu queria muito que meu pai estivesse aqui para ver isso agora. Acho que, de algum jeito, ele está vendo, e é nisso que eu acredito.
ATOR NO CENTRO-OESTE
Romeu considera que morar no Mato Grosso é um desafio para atores que pretendem alçar carreira no cenário nacional.
— Eu queria muito me mudar para o Sudeste, porque estando lá as coisas fluem melhor. Por exemplo, para ir à festa de lançamento de Guerreiros do Sol, tive que pagar minha passagem de Mato Grosso para o Rio, e isso gerou uma despesa grande para mim. Se eu já estivesse lá, teria ido com facilidade. Essas festas são importantes para construir relacionamentos e até firmar futuros contratos. Na prática, estar próximo desses centros facilita muito as coisas.
Mesmo morando em Cuiabá, o artista explicou que adotou estratégias para não perder oportunidades de trabalho.
— Mantenho uma base no Rio de Janeiro, onde vou sempre que surge trabalho. Sempre deixo claro para os produtores que sou do Rio, pois em alguns contratos só aceitam dessa forma. Foi assim em Arcanjo Renegado e Donos do Jogo. Dessa forma, consigo fechar contrato, mesmo que precise arcar com as despesas de passagem e estadia.
Na avaliação do ator, a estratégia tem funcionado.
— Eu vejo isso como um investimento na minha carreira. Tenho total responsabilidade e consciência disso, e não espero que a produção arque com esses custos. Se digo que sou do Rio, estou me comprometendo a estar disponível lá, e assumo toda essa responsabilidade com seriedade.
PRÓXIMOS PASSOS EM BUSCA DO SONHO
Encaminhando para o fim da conversa, Romeu festejou a oportunidade da entrevista com o jornalista do TeatrineTV, que também trabalha como ator.
— Primeiro, eu quero agradecer você, meu amigo, parceiro de guerra, ator — ator foda! Você é um bom ator também, excelente, que está nessa batalha igual a mim. Eu sei disso. E quero que um dia a gente esteja junto em cena. (Clique nas imagens para ampliá-las e visualizar melhor a galeria).
Então, o artista citou os desejos que aquecem seu peito:
— Meu sonho para amanhã é fazer novela. Eu sonho em protagonizar. Eu sonho em estar em personagens principais, em novelas, em séries, em filmes. Eu sonho em realizar filmes. Eu amo o audiovisual. Tenho convicção de que me apaixonei pelo audiovisual. Dá um poder enorme para o ator, você sabe!
Ele também adiantou novidades na sétima arte:
— Tenho projetos futuros que estreiam agora em novembro. Um deles é a quarta temporada de Arcanjo Renegado, onde faço uma participação. Também estou em Os Donos do Jogo, uma nova série da Netflix que trata do jogo do bicho no Rio. Eu interpreto um deputado. São dois trabalhos grandes, e eu espero que, a partir deles, venham outras oportunidades ainda maiores no próximo ano. Estou jogando essa energia para o universo — que venha esse sonho!
E deixou um recado direto e inspirador àqueles que estão acompanhando sua trajetória.
— Cara, nunca, nunca desista dos seus sonhos.