Logo TeatrineTV
1260x100
320x100
ARTIGO

PRETA GIL: LIÇÃO DE VIDA E MORTE

Por LENILDE RAMOS* • 21/07/2025 • 18:24
Imagem principal Preta Gil faleceu em decorrência de câncer na noite de 20 de julho. Foto: Reprodução

Preta Gil me provoca reflexões, além do fato de ser "uma artista que morreu". Começo pelo nome, totalmente fora dos padrões "civilizados". Quem, em sã consciência, chamaria a filha de Preta? Foi o que a expressão, certamente espantada do escriturário, quis dizer. A iniciativa só poderia vir de uma pessoa singular, segura de si e com o argumento na ponta da língua. O que disse Gilberto Gil? "Se existem Brancas, Biancas e até Rosas, por que não pode haver uma Preta?". A emenda ao soneto veio com a exigência de um nome cristão, e assim foi registrada: Preta Maria.

Essa atitude me reporta ao universo histórico do fenômeno escravagista, à luta insana de uma abolição que se transmutou em fenômeno análogo, de consequências nefastas de uma desigualdade que tirou os negros da senzala e os jogou nas periferias da educação, do trabalho e da discriminação estrutural. Imagino que Gilberto Gil tenha pensado em resgate de dignidade quando registrou a filha e imagino também que esse nome tenha sido uma boa prova de resistência para a menina Preta. Os detalhes deixo para vocês imaginarem.

Aí penso na Preta jovem, buscando um caminho na vida, sendo filha de Gilberto Gil, sobrinha de Caetano Veloso e afilhada de Gal Costa. Segundo ela, esses detalhes atrasaram um bocado sua decisão, tanto que só botou o pé na estrada mesmo, com quase 30 anos e também, segundo ela, dando tiro pra todo lado: “Canto o que eu gosto e o que ouço desde pequena. Não tenho nenhuma restrição musical”.

Depois veio o câncer, palavra que, há décadas atrás, as pessoas nem ousavam pronunciar. Foi aí que Preta revelou uma força que ninguém conhecia. A Preta irreverente, divertida, rebelde, descontínua, foi revelando uma mulher firme, franca, resistente e determinada a lutar. Não que ela não fosse tudo isso, mas a doença potencializou essas virtudes, que a acompanharam até o fim dessa jornada tridimensional.

E, que lição foi sua passagem!!! Para ela e para nós. Lição que nasceu do mesmo homem que resolveu nomeá-la Preta, com todo o peso que isso poderia significar. A morte física de Preta é uma lição fantástica de realidade e de dignidade: "Se tiver muito difícil para você, e se for sua hora, aceite. Se deixe ir”. Preta teve tempo de refletir sobre essa verdade tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil de aceitar. No conteúdo precioso do legado de sua vida, eu coloco esta lição e sou imensamente grata por compartilhá-la conosco. Para mim foi como ver na prática a teoria de Ana Cláudia Quintana, quando diz: “A morte é um dia que vale a pena viver”.

Valeu, Preta!
 

*AUTORA: Lenilde Ramos - cantora, compositora, instrumentista, escritora e produtora cultural sul-mato-grossense, além de ser membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. 

Google News

Veja Também

Nos apoie:

Chave PIX:

27.844.222/0001-47

QR Code para doacao