Logo TeatrineTV
1260x100
320x100
ÍCONE DAS ARTES

Teuda Bara morreu, mas não vamos falar sobre isso

A força da natureza que revolucionou o teatro mineiro e brasileiro

Por TERO QUEIROZ • 27/12/2025 • 10:59
Imagem principal Teuda Bara, ícone das artes cênicas, tem uma das maiores contribuições da história para artes brasileiras. Fotos: Reprodução

Teuda Magalhães Fernandes, conhecida apenas pelo nome artístico de Teuda Bara, morreu no dia 25 de Natal, aos 84 anos, em Belo Horizonte — onde nasceu e plantou um robusto trabalho nas artes.

Ela veio ao mundo em 1º de janeiro de 1941, portanto, faltavam apenas seis dias para Teuda celebrar seus 85 anos. Não deu.

Mas não queremos falar sobre a morte dela, e sim, sobre o que ela plantou em vida.

A genética artística de Teuda já se manifestava no ambiente doméstico. Filha de Augusto Mário França Fernandes, um major dos bombeiros que dominava o trombone de vara, e de Helena Magalhães Fernandes, enfermeira com talento para o canto e a paródia, ela cresceu imersa na criatividade.

Buscou formação acadêmica inicialmente nas Ciência, no entanto, seu gosto apontava para outro caminho. Há seis décadas, ingressou no curso de Ciências Sociais da UFMG. Foi no ambiente universitário, contudo, que o teatro-jornal capturou sua atenção, levando-a a abandonar a graduação no terceiro ano para abraçar a atuação.

Os primeiros passos profissionais foram dados sob a direção de Eid Ribeiro. Nessa fase embrionária, Teuda fundou o grupo “Fulias Bananas” e teve sua visão estética impactada pela montagem de “Ensaio Geral do Carnaval do Povo”.

Buscando expandir horizontes e profissionalizar-se, mudou-se para São Paulo. Lá, integrou a equipe do icônico diretor José Celso Martinez Corrêa. A experiência na vanguarda paulista durou um ano, antes de seu retorno definitivo à capital mineira.

O ano de 1981 marcou um ponto de inflexão na história do teatro brasileiro. Teuda inscreveu-se em uma oficina ministrada por George Froscher e Kurt Bildstein, do Teatro Livre de Munique. Esse encontro foi o catalisador para a criação do Grupo Galpão.

O primeiro espetáculo de teatro-circo-circo-teatro do Grupo Galpão. Foto: ReproduçãoO primeiro espetáculo de teatro-circo-circo-teatro  do Grupo Galpão. Foto: Reprodução

Fundado oficialmente em 1982, o Galpão tornou-se referência nacional. Ao lado de Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antônio Edson, Teuda ajudou a moldar a identidade do coletivo, que mescla o popular, o erudito e a ocupação do espaço público.

A estreia do grupo, com a peça “E a Noiva Não Quer Casar” (1982-1987), já demonstrava a audácia da atriz. Dirigida por Fernando Linares numa estética de Teatro-Circo, Teuda interpretava o pai da noiva, atuando sobre pernas de pau.

Sua presença cênica desafiava as convenções da época. Num período em que atrizes enfrentavam preconceitos e misoginia, Teuda ignorava o conservadorismo, impondo-se pelo talento e pela irreverência frente às críticas comportamentais.

A versatilidade da atriz extrapolou as fronteiras nacionais no início dos anos 2000. A convite de Robert Lepage, um dos diretores mais respeitados do mundo, ela integrou o elenco do espetáculo “K.Á.”, do Cirque Du Soleil, dividindo-se entre Montreal e Las Vegas.

O retorno ao Brasil ocorreu em 2007, retomando seu posto no Galpão. Paralelamente, investiu em projetos pessoais, como a peça “Doida” (2015). A produção independente marcou uma parceria sensível em cena com seu filho caçula, Admar Fernandes.

O cinema também se rendeu ao carisma de Teuda. Atuou em obras de destaque como “O Palhaço”, de Selton Mello, e no aclamado “As Duas Irenes”, exibido no Festival de Berlim. Sua performance no curta “Ângela” (2019) lhe rendeu o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília.

Sua trajetória recente foi de intensa produtividade e reconhecimento. Em 2019, estreou o solo biográfico “LUTA”. Durante a pandemia, adaptou-se ao formato virtual com “Queria Teatro” (2020), novamente ao lado do filho.

A relevância de Teuda foi celebrada por diversas instituições. Venceu a primeira edição do Prêmio Paulo Gustavo de Humor em 2023 e foi a grande homenageada do 33º Prêmio Shell de Teatro, ao lado da veterana Léa Garcia.

Em 2024, sua vida inspirou o curta “Ressaca”, baseado no livro “Teuda Bara: Comunista demais pra ser chacrete”. Já em 2025, ano de sua despedida, recebeu o Grande Colar de Mérito Legislativo, honraria máxima dada a personalidades fundamentais para a história de Belo Horizonte.

Na televisão, sua figura marcante esteve presente em produções que flertavam com o lúdico e o humor, com destaque para a novela “Meu Pedacinho de Chão”, de Luiz Fernando Carvalho, e a série “A Vila”.

O GALPÃO DE TEUDA BARA

Elenco atual do Grupo Galpão é formado por 12 integrantes. Foto: ReproduçãoElenco atual do Grupo Galpão é formado por 12 integrantes. Foto: Reprodução

Ao longo de 27 anos de atuação, o Grupo Galpão acumulou números expressivos que evidenciam sua projeção nacional e internacional. São mais de 80 festivais internacionais, presença em 19 festivais nacionais e circulação por mais de 100 cidades, alcançando 80 países. Nesse período, realizou mais de 210 apresentações, recebeu mais de 3.400 prêmios brasileiros e levou seus espetáculos a um público estimado em mais de 2 milhões de espectadores.

O elenco do Galpão, além de Teuda Bara, conta ainda com Beto Franco, Chico Pelúcio, Paulo André, Lydia Del Picchia, Simone Ordones, Antonio Edson, Fernanda Vianna, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Arildo de Barros e Júlio Maciel.

O Grupo Galpão surgiu a partir do encontro desses atores em oficinas ministradas por diretores alemães e se estruturou como uma companhia de teatro dedicada ao trabalho continuado e à sustentação profissional por meio da arte.

Nos primeiros anos, enfrentou limitações financeiras, mas manteve atividade constante, circulando pelo Brasil e consolidando uma linguagem própria que dialogava com a cultura popular, o teatro de rua e a pesquisa cênica.

Nas décadas seguintes a 1980, o Galpão expandiu seu repertório, realizou turnês nacionais e internacionais, criou o Galpão Cine Horto como centro cultural e desenvolveu projetos de formação, pesquisa e intercâmbio.

A companhia atravessou diferentes fases estéticas, dialogando com dramaturgos clássicos e contemporâneos, além de adaptar-se a contextos como a pandemia, quando investiu em formatos híbridos e digitais.

Entre 2023 e 2024, o grupo retomou referências do teatro político e popular com novos espetáculos, mantendo a atividade contínua iniciada há mais de quatro décadas.


Google News

Tags: Augusto Mário França Fernandes, Belo Horizonte, George Froscher, Grupo Galpão, Helena Magalhães Fernandes, José Celso Martinez Corrêa, Kurt Bildstein, Teuda Bara, Teuda Magalhães Fernandes

Veja Também

Nos apoie:

Chave PIX:

27.844.222/0001-47

QR Code para doacao