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CAUSA INDÍGENA

Telas são retiradas de exposição do Centro Cultural após protesto de Beni Kadiwéu

Doutor Gilson Rodolfo Martins disse que atitude pode flertar com a censura

Por TERO QUEIROZ • 19/04/2024 • 22:35
Imagem principal Galeria no Centro Cultural durante reinauguração do espaço no início de abril. Foto: Tero Queiroz

O recém-reinaugurado Centro Cultural José Octávio Guizzo de Campo Grande (MS) foi palco de um momento singular para a cultura indígena sul-mato-grossense no último dia 11 de abril, durante a reinauguração das galerias Wega Nery e Ignêz Corrêa da Costa, que ficam no hall de entrada do Centro Cultural.

Na ocasião, a artista, designer, professora, empreendedora e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Benilda Vergílio, de 35 anos, mais conhecida como Beni Kadiwéu, representante do povo Ejiwajegi/Kadiwéu, esteve no José Octávio Guizzo e fez uma manifestação incisiva pela retirada de duas telas que lá estavam expostas, feitas por dois artistas renomados de MS, que no entanto, ela considerou serem parte de um projeto de "apagamento e roubo da arte de meninas e mulheres do povo Ejiwajegi".

Para o momento ‘reinaugural’, a coordenação do Centro Cultural realizou uma exposição coletiva intitulada "Entrosamento", em parceria com o acervo do Museu de Arte Contemporânea (MARCO), com telas de pelo menos 30 artistas visuais de Mato Grosso do Sul, incluindo: Alice Yura, Ana Ruas, Áurea Katsurem, Beto Lima, Dagoberto Pedroso, Edson Castro, Evandro Prado, Fábio Maurício, Fernando Marson, Galvão Pretto, Ghva, Henrique Spengler, Humberto Espíndola, Ignêz Corrêa da Costa, Ilton Silva, Ilva Canale, Irani Brum Bucker, Isabê, Joni Lima, Jonir Figueiredo, Jorapimo, Julio César Álvares, Laís Doria, Lídia Bais, Lúcia Martins, Mauro Yanaze, Neide Ono, Patrícia Rodrigues, Paulo Rigotti, Priscila Pessoa, Rafael Maldonado, Tethis Selingard, Iuri Dias, Zila Soares e Wega Nery.

Após a manifestação de Beni, a coordenação do Centro Cultural decidiu por retirar as telas da exposição. “Nossa arte é única, é parte de nossa identidade e história," declarou Beni. "Não estamos pedindo por espaços que não nos são oferecidos, mas sim por respeito coletivo. Agradeço às duas mulheres não indígenas que pararam para me ouvir e logo irão retirar essas telas da exposição. Isso mostra a sororidade para com outras vozes, e que isso sirva de exemplo,” completou ela, lembrando que raramente artistas indígenas são convidados para eventos de destaque das artes visuais em MS.

Telas contendo grafismos indígenas alvos de manifestação de Beni Kadwéu.  Telas contendo grafismos indígenas alvos de manifestação de Beni Kadwéu.  

A medida de retirada das telas implica fazedores da cultura, lideranças e autoridades da cultura sul-mato-grossense na semana anterior ao 19 de abril, data em que celebra o Dia dos Povos Indígenas do Brasil.

Em entrevista ao TeatrineTV, Beni que atua na Subsecretaria de Políticas Públicas para os Povos Originários e tem levado a arte Kadiwéu e realizando oficinas em escolas e comunidades, defendeu sua manifestação pela retiradas das telas do local, no sentido de uma busca pela recuperação dos direitos artísticos dos povos indígenas.  

Por outro lado, o Bacharel em História pela Universidade de São Paulo (1976) e doutor em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (1996), Gilson Rodolfo Martins, especialista na Arqueologia Pré-Histórica brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: Arqueologia de Mato Grosso do Sul, Etno-história dos índios de Mato Grosso do Sul e salvamento arqueológico, que também foi diretor do Museu de Arqueologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MUARQ-LPA/UFMS), defendeu que há de se ter um equilíbrio na tomada de ações contra manifestações culturais, para evitar o flerte com a censura e autoritarismo. 

"INVISIBILIZA UMA CULTURA E GÊNEROS ORIGINÁRIOS"

Traços de jenipapo no rosto de Beni Kadwéu celebram conquistas e evocam a ancestralidade do povo kadiwéu. No caso dela, o grafismo estampado na face significa a comemoração da mulher indígena ocupando espaços. Foto: Paula MaciuleviciusTraços de jenipapo no rosto de Beni Kadwéu celebram conquistas e evocam a ancestralidade do povo Kadiwéu. No caso dela, o grafismo estampado na face significa a comemoração da mulher indígena ocupando espaços. Foto: Paula Maciulevicius

Originária da aldeia Alves de Barros, região de Porto Murtinho (MS), Beni vive no contexto urbano desde a 5ª série do Ensino Fundamental, quando precisou se mudar para a cidade para estudar. Ela explicou à reportagem, que ao longo de sua trajetória acadêmica passou a pesquisar a relação da moda com os grafismos indígenas Kadiwéu, tema que a acompanha também em seu mestrado na Capital. Nas pesquisas ela notou o uso equivocado dos grafismos por não indígenas. “Os grafismos são  identificação cultural específica de cada Etnia, é possível reconhecer a arte de cada povo. É muito particular com simbologias próprias, identificam além do visual fatos históricos de lutas por exemplo pintura para ir para guerra para proteger um coletivo e grafismos que representam vitória. Hoje em dia os grafismos continuam sendo repassados para a próxima geração, as crianças e jovens são preparadas para conservar esse acervo histórico de forma oral e na prática. É um dos elementos fundamentais para essa cultura continuar viva, também entra a questão ambiental sem o território não existe pigmentos naturais", declarou.

Beni detalhou que a história dos Kadiwéu está ligada à sua participação na Guerra do Paraguai, onde se destacaram como indígenas cavaleiros, habilidosos com arco e flecha montados a cavalo. E que os grafismos também são parte integrante da cultura, presentes na pintura corporal e na cerâmica.

Para ela, grupos culturais seguem fazendo uso indevido da arte indígena com a justificativa de que se trata de uma ‘homenagem’. “A apropriação cultural assombra os povos Originários desde a aparição do invasor, hoje essa prática continua através de grupos cultural dominante em benefício próprio, muitas vezes os próprios artistas "não Indígena" não tem noção da gravidade, é usada a palavra homenagem. Isso torna um parasita, que invisibiliza uma cultura e gêneros originários daquela comunidade/aldeia. Geralmente, uma descaracterização dos elementos de uma cultura, o que era genuíno na parede é coloridos, mas no meu ponto de vista vejo cinzas, causador de invisibilidade e apagamento de uma cultura, deixa uma lacuna e consequências para aquele povo que mora nas aldeias é muito triste para quem conhece a realidade e sua história,” apontou.

Estima-se que na atualidade o povo Kadiwéu esteja distribuído em seis aldeias em Mato Grosso do Sul, com uma população de 3 mil pessoas.

A liderança Kadiwéu ressaltou que os desafios internos comunitários relacionados a arte e cultura, são repassados pelos mestres da comunidade, que são professores que passam os conhecimentos e missão para que cada um continue contando a história e defendendo os Kadiwéu por meio da dança, arte e língua materna. “Somos capacitados para cuidar dessa complexidade cultural, fora da comunidade os desafios são invasões de privacidade, exploração da nossa arte, preconceito e racismo, pois o interesse é só reproduzir e não existe afeto. Mas sim interesse próprio,” protestou.

Segundo Beni os caminhos para que artistas não indígenas realizem artes inspiradas nos grafismos indígenas passa por um compreensão cultural da diversidade dos povos originários. “Primeiramente conhecer a diversidade cultural, língua, costumes e tradição. Conhecendo esses eventos culturais e se aproximar de um povo em prática favorece os dois lados. Assim essa classe artística/artista de fato conhecerá a realidade daquele povo, é se pôr no lugar do outro para gerar a reciprocidade”.

Ela ainda considerou que o debate é ‘novo’ em MS, mas que haveria de ter início em instituições culturais ou entre os artistas em algum momento. “Esse debate é muito novo para algumas instituições de MS, é um assunto que tem repercutido há anos no Brasil, mas muitas vezes  silenciado. Se hoje essa classe artística de Mato Grosso do Sul está disposta a ouvir e entrar em consenso é um início de um diálogo para que a futura geração faça valer os seus direitos. Tudo depende muito disso funcionários desses órgãos públicos, hoje em dia esse diálogo está no início,” celebrou. “Nós povos indígenas temos o direto a medidas especiais de proteção, como propriedade intelectual, das danças, espiritualidade e todos os elementos da nossa cultura e todo o conhecimento tradicional que é específico de cada povo como os grafismos e pinturas”, acrescentou.

Uma maneira de estimular positivamente os artistas indígenas, para Beni, no caso das artes visuais deveria haver espaços em exposições para uma educação sobre as etnias. “As exposições, eventos, deveriam receber ou solicitar capacitação, através de representatividades indígenas das etnias específicas de cada povo,” opinou.

Outras maneiras de promover uma reeducação é oportunizar a ocupação de profissionais indígenas aos espaços dedicados aos povos originários, ou levar capacitação aos não indígenas. “Para gerar a inclusão e a Secretaria de Cultura dar oportunidade para indígenas ocuparem espaços públicos como a Secretaria de Cultura. A outra solução é capacitar a equipe não indígena. Em outros estados como Rio de janeiro e São Paulo, existem curadores indígenas, através da Dra. Sandra Benites da etnia Guarani Kaiowá se abriu portas para uma nova curadoria específica, porém é necessário abrir o leque de oportunidades, pois no Brasil são 305 povos, cada povo com suas especificidades,” observou.

Apesar das batalhas cotidianas por direitos, Beni destacou que o Brasil tem conseguido caminhar, ainda que vagarosamente, no sentido de representatividade indígena. “Temos também uma Indígena representante no MINC nacional, Naine Terena isso é um avanço, pois ela é a nossa força todas as situações eu a comunico. Estamos em conexão nessa luta árdua, e a luta inconstante pela inclusão assim como Fabiane Medina, mulheres indígenas de diversos povos que estão tentando fazer a diferença, falei esses nomes pois são mulheres indígenas inclusivas e praticam a 'sororidade'. O papel das lideranças é fortalecer a cultura, isso é feito na comunidade e lutar pelos direitos e deveres”, concluiu.

"FOI UMA RESSIGNIFICAÇÃO, ELES NÃO COPIARAM NADA"

Outras telas expostas na galeria do Centro Cultura José Octávio Guizzo. Foto: ReproduçãoOutras telas expostas na galeria do Centro Cultura José Octávio Guizzo. Foto: Reprodução

O professor doutor titular de Arqueologia Pré-histórica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Gilson Rodolfo Martins, criticou a atitude de retirada das telas do Centro Cultural. “Não achei correto a pressão para tirar aquelas duas telas da exposição, porque primeiro que elas não são uma apropriação indevida de nenhum artista indígena, ou artesão indígena. Ambas eu conheço as telas que foram retiradas, eles sempre foram defensores da causa indígena no estado, da cultura indígena e são, inclusive, pioneiros nesse aspecto de valorizar a cultura indígena no estado”, comentou. 

Gilson argumentou que as telas retiradas do espaço pertencem a dois artistas historicamente defensores da arte indígena em MS.  “O trabalho que eles fizeram como artistas foi uma ressignificação, eles não copiaram nada, eles apenas, num processo que é humano, antropológico de trocas culturais que chegam até o campo do artístico, do belo, do estético. Eles, assim, reconhecendo, sensibilizados e apreciadores dessa estética indígena, fizeram uma ressignificação que na época, inclusive, tinha um caráter de resistência, de denúncia. Quando o índio, na época em que essas obras foram produzidas, estava num período político meio adverso para livre expressão, sobretudo das camadas populares, inclui o índio nessa faixa da sociedade sul-mato-grossense. Na medida em que o Henrique Spengler, o Jonir e outros como o Adilson Schieffer, se inspiraram nessa iconografia indígena, eles estão divulgando uma valorização desse segmento artístico, artesanal, estético desses olhares de uma parte da população indígena. Não estavam se apropriando, eles estavam divulgando, valorizando uma forma de mostrar que a população indígena, a cultura indígena tem valor e tem um merecido espaço dentro da cultura sul-mato-grossense”, defendeu Gilson. 

Na opinião do doutor, a medida adotada pela Coordenação do Centro Cultural pode se confundir facilmente como um flerta a censura. “Claro que hoje isso está sendo objeto de discussão, como vem essa questão trazida nas suas próximas perguntas, acho que podia deixar isso daí para depois e não dar uma demonstração de censura dentro de um espaço cultural. O Centro Octávio Guizzo sendo reinaugurado é um espaço de todos da sociedade brasileira, aí se cada um começa censurar aqueles que não gosta, onde vamos parar? Então, é um comportamento monocular com o qual eu não concordei. Concordo que deva se discutir, mas ali acho que não era a hora de uma força assim aplicada de uma forma unilateral, passa por cima de um espaço, de uma coletiva, que interessava a todos os sul-mato-grossenses. Acho que esse tipo de atitude prejudica e não ajuda a causa indígena”. 

Provocado a falar na sua opinião como a arte indígena é afetada pela apropriação cultural, Gilson garantiu que não há prejuízos. “Eu acho que afeta no sentido positivo, não prejudica em nada. Isso aí não inibe os índios de continuarem se expressando, inclusive, também posso te dar exemplos concretos arqueológicos, onde a produção de cerâmica indígena dos Terenas em Miranda, eles aplicaram naqueles signos que decoram a cerâmica Terena atual, signos que são de um modo geral típicos da decoração cerâmica Guarani Kaiowá. Antigamente, arqueologicamente, né? Porque hoje o índio Guarani Kaiowá praticamente não faz, não tem mais a produção de cerâmica, um ou outro, muito localizado, perto do que já foi. Então, eu vejo que o signo ele migra, como a rede indígena migrou para povos diferentes, sem que isso venha trazer de certa forma um prejuízo, ao contrário, a humanidade sempre viveu assim do intercâmbio cultural. Quer dizer: avanços em algum lugar são reconhecidos pelas outras sociedades do entorno e assim a humanidade cresce culturalmente e chegamos ao ponto que estamos hoje. Se não houvesse essas trocas culturais hoje a gente não estaria nesse estágio que estamos hoje, no que está certo e no que está errado”, comparou.  

O doutor ainda citou o trajeto histórico das línguas indígenas brasileiras. “Se você olhar ao longo da história, várias vezes as manifestações indígenas foram bem absorvidas. Eu posso dar um exemplo, na língua: então você vai excluir agora da língua brasileira, da topo língua brasileira todas as palavras indígenas que integram hoje o léxico brasileiro, claro que não. Elas são importantes e valorizam esse espaço do índio que sempre teve dentro da sociedade brasileira. Em momentos com certeza mais adversos no passado, hoje assim melhores, mas ainda não satisfatório, acho que tem muito a avançar, mas acho que é justamente isso, é popularizando, dando lugar e visibilidade aos índios dentro da sociedade brasileira, de que forma: na língua, no vocabulário, na topo língua brasileira isso aí está mais expresso do que nunca. Foi bom para os índios, porque como eu disse, são reconhecidos como tal. Fazer isso é reconhecer sua identidade, dar valor aos seus valores”, argumentou.  

Para o professor doutor, pode ser que um caso ou outro isolado você teve plagio ou falsificação, mas isso não é só em relação ao índio, é em relação a tudo. “Agora, se a gente for fechar e bloquear, blindar as manifestações culturais dentro de fronteiras étnicas, nós não devíamos comer feijoada, não devíamos tomar tereré, não deveríamos usar o milho, não usar a mandioca, isso não faz muito sentido. Eu acho que a humanidade ela cresce, ela se aperfeiçoa, ela é melhor, ela é progressista, quanto mais houver o intercâmbio dentro de espaços de respeitabilidade mútua e de multiculturalidade, que é isso que a gente objetiva e acredito que também uma parte dos indígenas também querem isso”, apostou.  

Apresentando um reflexão sobre a autoria na arte indígena, Gilson considerou que o debate complexo passa pelo reconhecimento de que a arte indígena não é individual. “Falsificadores, sempre teve. Isso sem dúvida. Plágio, não se faz plágio só de arte indígena, se faz plágio de muitas coisas, inclusive do próprio discurso político. Então, primeiro, não vai ser com medidas rígidas de blindagem que vamos acabar com isso. Segundo, que o complicador é o fato de que o artista indígena, que fica ali numa zona de transição entre o artesanato e a arte, também não é de autoria individual. Na verdade, os signos empregados na decoração das cerâmicas indígenas ou de outros suportes, eles são comunitários, há séculos que uma geração atrás da outra reproduz aqueles signos como símbolos de seu pensamento, divisão de mundo, mas isso dentro de um aspecto coletivo, nunca individual. Não é como na nossa arte, que uma tela tem que ser assinada. Por exemplo, aquela exposição a qual está se referindo, ali eram expressões individuais. Embora tivesse o nome de uma coletiva, era coletiva no sentido de que tinham vários autores ali individualmente apresentando seu olhar, sua expressão estética, artística e assinavam. Bom, se você copia uma coisa que é assinada, muito bem. Agora, quando é um material que produzido coletivamente dentro da sociedade e se repete através de gerações, bem, você não tem um autor único, então você não pode dizer que é plágio”. 

Ainda de acordo com o doutor, o debate sobre a autoridade artística precisa ser feito considerando a universalização dos valores culturais. “Obviamente que é preciso haver uma proteção autoral quanto a isso, não é porque é coletivo que está completamente permeável a qualquer tipo de intrusão. Alguns casos foram resolvidos por meio de registros desses modos de expressão simbólico, artístico, artesanato, em nomes de associações comunitárias. Bem, essas associações elas podem negociar isso, negociar no sentido de multiplicar.  Muitas vezes a gente só enxerga pelo lado econômico, pensa que está todo mundo só pensando em ganhar dinheiro em cima dos outros, e não é. Muitas vezes é partilhar, é ser solidário, é ser um multiplicador.  Isso se faz cotidianamente quando você toca o samba, que é uma música de origem africana, e assim por diante. Acho que não tem nada errado nisso, pelo contrário, é universalizar esses valores que foram bem-sucedidos, e que a humanidade pode partilhar disso solidariamente. Você fechar o acesso ao outro de apreciação desses valores, bom, então vamos fechar museus, exposições e tudo mais, aí viram guetos, né? Não tem sentido”. 

“Observar esses direitos coletivos. Não fazer uma crítica comparativa: essa música é muito simples comparada com uma sinfonia, então isso não tem valor; ou essa iconografia indígena é tão elementar que não segue um geometrismo comparado com grandes clássicos artísticos de pintura do chamado mundo ocidental. Então, acho que esse tipo de comparação, classificando, hierarquizando o que é mais bonito, o que é mais importante, o que é mais sofisticado, realmente é um erro. Acho que o poder público ele deve trabalhar na direção de democratizar o acesso às diferentes manifestações culturais, com suas linguagens múltiplas em cada uma delas, de forma equilibrada, harmônica, justa, não privilegiando só um lado, acho que a gente tem que mostrar todas as expressões culturais que fazem parte de uma sociedade multicultural. Dando oportunidades iguais, financiamentos iguais para que isso venha se tornar público”. 

Ao discutir o papel do poder público na promoção da diversidade cultural, o doutor Gilson enfatizou a importância de democratizar o acesso às diferentes manifestações culturais, sem privilegiar um lado específico, com igualdade de distribuição de apoios. Gilson observou que não é razoável permitir que a cultura seja engolida pela burocracia. “E também haver uma certa liberdade para esses elementos culturais transitarem de uma forma transversal entre os diferentes segmentos culturais, ou seja, os autores de livros didáticos eles têm, acho que direito e essa função, esse objetivo de mostrar esse leque de opções. E agora, se você vai produzir um livro didático falando dos primeiros séculos da colonização, ou antes mesmo da colonização, e cada vez que tiver que uma referência a um aspecto de uma cultura tradicional, não só indígenas, mas as outras, quilombolas, de florestas, litorâneas, caiçaras. Se toda vez você tiver que ter cartas de anuência, bom, você não consegue fazer nada. A cultura trava pela burocracia”. 

O doutor defendeu que a a liberdade de circulação dos elementos culturais entre diferentes segmentos culturais enriquece a diversidade cultural de uma sociedade. “Eu acho que realmente as suas perguntas demonstram uma preocupação real e justa, para que isso não banalize, não se transforme em produtos descartáveis dentro de uma sociedade de consumo como é a nossa. Todavia, acho que isso deve se dar dentro de um ambiente de diálogo de respeito mútuo, de ouvir todas as partes. Verificar se há má intenção, ou boa intenção nesses usos, mas de um modo geral, em penso assim que a gente deva trabalhar sempre numa direção convergente, não de que uma venha se sobrepor a outra,  mas de que a gente consiga trabalhar dentro da diversidade cultural com igualdade de oportunidades”. 

Expressando preocupação, o doutor abordou ainda o risco da banalização das expressões culturais em uma sociedade consumista. “A massificação, hegemonizar a cultura, bom, isso realmente é desastroso. Eu sempre faço assim uma analogia: a biodiversidade é importante, sem ela a vida não existe. E a diversidade cultural é também tão importante, e sem os seus múltiplos componentes, nós não teremos mais cultura, sobretudo a perda do dinamismo cultural. O que nós vamos ter é uma massificação e as pessoas robotizadas assim pelos interesses do mercado de consumo. Então, daí vir como uma forma de resistência essas discussões e colocar as coisas no lugar”. 

Por fim, o doutor Gilson alertou sobre os perigos da massificação cultural, comparando-a à perda da biodiversidade na natureza. Ele destaca a necessidade de resistir a essa tendência, defendendo a manutenção da diversidade cultural como uma forma de preservar o dinamismo e a riqueza da sociedade. “Agora, mais uma vez repito o que falei, acho que aquele episódio foi desnecessário. Não estou culpando, mas também não estou concordando. Acho que ali houve uma precipitação das pessoas imbuídas e com justiça de defender seus interesses, sociais, culturais e dentro do coletivo, mas ali é um lugar de diálogo, a arte é justamente aberta assim para essas plenas potencialidades da diversidade”.


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