O espetáculo teatral “De Pai Para Filhos” ficou em cartaz na sexta-feira (23.set) e sábado (24.set.22), em ambos os dias, apresentando às 20h, no auditório da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), em Campo Grande (MS). O espaço de entidades rurais teve que ser adaptado para receber o espetáculo, já que a Capital de MS está sem nenhum teatro público aberto para uso dos artistas.
“O meu lugar é diferenciado, estou muito ligado à educação, isso aqui é um projeto de extensão, mas eu me solidarizo com a classe artística. No caso, minha opinião é que o que falta mesmo é um espaço, dá até uma certa indignação por ser Campo Grande uma Capital com quase um milhão de habitantes e gente não ter aí um espaço funcionando, nós temos dois aí fechados para reforma há muito tempo... então, isso é um empecilho muito grande: tivesse um espaço, a produção seria muito mais constante, né? Por exemplo, nós poderíamos ter todos os finais de semana espetáculos, nas mais diversas estéticas, mas estamos isolados e impotentes diante disso”, explicou o ator e diretor do espetáculo, Fernandes Ferreira de Souza. Ele também é professor e diretor no Grupo Arrebol Cultural, Projeto de Extensão do curso de Teatro da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Para o diretor, a próxima gestão estadual de Mato Grosso do Sul e a atual gestão municipal devem ter em suas pautas como elemento principal de fomento à cultura, a abertura e manutenção de teatros públicos. “Os próximos governos e a gestão municipal tem que ter isso na pauta: o máximo de espaços [públicos culturais]. Para mim, a política mais importante é essa. Para mim o maior fomento seria ter casas de espetáculos, teatros públicos abertos para os artistas trabalharem, isso, na minha opinião, vem até na frente dos editais”.
De acordo com o professor, a ausência de espaços públicos dedicados à apresentação impactam diretamente na formação de público. “Eu não tenho o que reclamar de plateia, inclusive de público pagante, mas sei que se tivéssemos o hábito de todos os finais termos espetáculos, com toda certeza isso impactaria na formação de um público. O público seria acostumado, porque agora as pessoas nunca sabem quando vai ter um espetáculo e muitas vezes nós não temos mídias suficientes para avisar, uma vez que não há esse hábito, essa tradição. Então, muitas vezes não atingimos um público maior”, acrescentou. Como sugestão de solução ao problema, o professor apontou: “Que tenhamos espaços que possam abrigar espetáculos de várias estéticas, que isso irá oportunizar os artistas trabalharem, com todos os finais de espetáculos teatrais na cidade. Isso tem que ser normal, hoje uma peça teatral em cartaz em Campo Grande é um acontecimento, não deveria ser, isso teria que ter todos os finais de semana”, completou.
Fernandes disse que as vantagens de trabalhar no projeto de extensão é que atualmente pode-se misturar pessoas de outras áreas com os acadêmicos. “O maior privilégio do projeto é poder misturar membros da academia, alunos, com membros da comunidade externa. É algo muito interessante que acontece no projeto Arrebol. Hoje, aqui, nós temos um Procurador de Justiça e um acadêmico do curso de Artes Cênicas. Então, eu sempre promovo essa mistura...O projeto nos dá essa possibilidade de colocar pessoas diversas no palco”, apontou.
Até mesmo na Universidade, Fernandes explica que não há um teatro para execução de suas atividades. “Infelizmente a própria universidade não dispõe de um espaço para representação”, lamentou.
Não ter um local público impede inclusive as montagens do Arrebol de poder ter temporadas. “A questão de não ter um local nos impede de fazer temporadas. É um grande entrave! Teatro é várias vezes, não existe isso de assistir teatro uma só vez, para total compreensão isso é uma experiência de várias vezes”, acrescentou.
ELENCO E A ESCOLHA DA HISTÓRIA
Em “De Pai Para Filhos”, Fernandes dá vida ao personagem do “pai”. Os filhos são Samir Henrique e Carlos Fabrizio. O texto é do dramaturgo catarinense Júlio de Queiroz, adaptado pelo Arrebol, com o apoio do professor do curso de Letras da UEMS, Volmir Cardoso.
No palco, os artistas executam 3 monólogos simultâneos, o que representa, segundo Samir, a dificuldade de comunicação naquele lar de uma tradicional família judaica. “Para mim é um drama psicológico muito bem-feito. Em 2018 já havia sido um resultado maravilhoso e agora em 2022, depois da pandemia, é um texto que parece que tem mais a nos dizer, depois desse trauma coletivo que passamos. Essa peça vem para nos mostrar o quão importante é a gente falar, conversar. A estética da peça em 3 monólogos já mostra isso, a dificuldade de comunicação e como seria fácil resolver aqueles problemas. A peça nos mostra como é importante essa conversa, esse relacionamento aberto, justo, de verdade”, observou.
O procurador de Justiça de MS e ator, Carlo Fabrizio, comentou que chegou ao universo teatral por meio do Fernandes quando vivia no interior. “Eu morava em Nova Andradina, o professor Fernandes era professor de teatro na UEMS. E lá ele fazia esse mesmo trabalho do projeto de extensão só que com a comunidade, porque lá não tinha curso de teatro. Um dia ele disse: ‘olha, vamos fazer teatro?’. Eu acabei indo. Aí começou, fizemos uma peça lá do Dias Gomes. Aí em 2017 eu vim transferido para Campo Grande e o professor Fernandes veio também. Aí quando eu chego aqui ele me ligou dizendo: olha, tenho um papel para você, aqui! Aí viemos fazendo vários espetáculos”, detalhou.
Fabrizio comentou que o teatro em seu meio é visto de maneiras diversas: “Há primeiramente um estranhamento aos colegas, depois uma admiração. Alguns veem surpresa de eu trabalhar, estar envolvido tanto como estou. Para mim, fazer teatro é um ganho, não só na desenvoltura ou no trato com as pessoas, mas também aprender esse trabalho coletivo, teatro para a vida é uma coisa maravilhosa”, pontuou.
Perguntado qual a razão de sua preferência em trabalhar com culturas externas às de Mato Grosso do Sul, Fernandes disse ao TeatrineTV, que isso se deve ao fato de ele ser uma pessoa do mundo. “Eu não sou uma pessoa ufanista, já fui até algumas vezes cobrado por isso. Eu não sou bairrista, eu sou do mundo. Para mim não faz muita diferença! O espetáculo que eu assisto, o texto que eu leio e que me toca, eu falo: eu vou levar isso para o palco. Por acaso, é um texto mineiro, um texto nordestino. Eu já montei o espetáculo musical ‘Soy Latino-Americano’, para tratar sobre os países que fazem divisa aqui com Mato Grosso do Sul, foi um espetáculo muito importante para mim, na questão identitária”, esclareceu. Na análise de Fernandes alguns grupos teatrais de MS podem também abordar os temas regionais com maior propriedade. “Não fiz ainda essa questão regional porque acho que alguns grupos têm mais propriedade, já se apossaram disso, tem pesquisa nisso... eu acho que é bom para a comunidade campo-grandense poder fluir podas essas origens”, opinou. “Eu não tenho nada contra. Hora que eu produzir um texto de alguém local, eu faço”, garantiu.
Veja, em fotos abaixo, cenas da apresentação do espetáculo "De Pai Para Filhos":
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